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Delito de Opinião

E o governo?

jpt, 07.03.22

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Anteontem, dia 5, cumpriram-se dois anos exactos sobre a última vez que eu toquei na minha mãe - a qual veio a morrer no final do ano. Pois apesar do Estado, através da directora-geral da Saúde Graça Freitas, continuar a apelar a que se visitassem os lares de idosos - e isso nesse mesmo dia em que Espanha os vedava a visitantes -, decidimos em família não mais arriscar o perigo de contagiar a nossa tão querida matriarca. Uma semana depois, e ainda que o governo português continuasse na sua senda de apelar à despreocupação - na qual ficou memorável a crítica dessa directora-geral à escola das suas netas que encerrara devido à situação -, e após a minha filha ter vindo do Reino Unido onde estuda, confinámo-nos em porto recôndito e seguro. Só vários dias depois, a 18 de Março,  o governo restringiu a ideia da "falsa segurança" ao uso de máscaras e de testes ao Covid, e concedeu na necessidade de uma clausura generalizada. [Para quem tenha interesse deixei este "O capitão MacWhirr e o Covid-19", um texto algo detalhado sobre o início da pandemia em Portugal]. E seguiu-se o longo período, estes dois anos que agora se cumprem, cujo percurso todos recordamos, com mais ou menos detalhes.

Se é certo que o final da pandemia fora já por vezes aventado, o sucesso da vacinação e a eclosão de variantes virais sucessivamente menos letais permitiu, no último terço de 2021, compreender que o espectro "Covid-19" se desvanecia. Tratar-se-ia agora, passados estes dois longos anos, de recuperar dos pesadíssimos efeitos económicos que este causou - bem como de sarar os défices sanitários que lhe foram adjacentes, e de recuperar um "ânimo" social, o qual também tem efeitos económicos. Nisso "agilizar" recursos que foram concedidos ao país - planificar e executar a célebre "bazuka". Mas também de induzir e possibilitar reinserções na economia global, talvez algo alterada pelo embate pandémico, até pela própria consciencialização que este causou da necessidade de introduzir alterações nas interdependências produtivas e comerciais. E a isto se juntaria o desafio das medidas estruturais de absorção do efeito do choque (tectónico?) das alterações no mercado energético, um necessário processo global em curso. 

Estes eram desafios - até gigantescos - antevistos para esta transição 2021-22. Tudo isto é agora sumamente complexificado pela eclosão da guerra russo-ucraniana. Um facto imprevisível à governação, mesmo que a esta se possa exigir a constante preparação para a previsível imprevisibilidade, na consciência da relativa imponderabilidade do real. Estamos assim diante de enormes desafios para a governação do país, um escaldante palacete de São Bento.

Ora um dia, mais tarde, muitos farão a história deste período. E constatarão que Portugal enfrentou este final da crise pandémica mundial e o ressurgimento da guerra na Europa numa peculiar - e talvez até absurda, dado o contexto - governação. Pois o actual presidente da República decidiu, motu proprio, dissolver um parlamento funcional e promover eleições legislativas. E que estas, apesar de decorrerem após meio século de democracia parlamentar, ocorreram sob uma incúria legislativa e executiva tal que obrigou o Tribunal Constitucional - apesar do próprio Presidente, já em funções há 6 anos, ser um renomado constitucionalista - a prolongar a sua realização. 

Devido a este abstruso processo Portugal enfrenta o final da crise Covid-19, o impacto do recrudescer do choque energético e a inesperada guerra na Europa, com um governo de gestão em funções durante 5 meses. Ao qual se seguirá, como a imprensa anuncia, um governo com várias alterações no seu organograma, implicando reformulações legislativas e reconfigurações na administração - sempre indutoras de delongas nos serviços. 

Se tudo isto é insignificante, então algo tem de ser constatado sobre a real importância do exercício governativo. Mas se não é insignificante - como julgo não o ser - então algo terá que constatado, e decerto que o será pelos futuros historiadores, sobre a competência do garante da ordem política, o actual presidente da República. O qual não só promoveu esta situação como permitiu que decorresse desta forma, decerto que por superficial desatenção e deficiente análise. E a futura avaliação deste mandato terá que ser imensamente negativa, até surpreendida num "como foi aquilo possível?". Mas aqui no presente o que pode espantar, ainda que percebendo que tal é um sintoma do estado deste regime, é o facto de que nem espanto nem ira vêm acolhendo este exercício presidencial. E os seus efeitos, desequilibradores. E prejudiciais aos extremos desafios que o país enfrenta neste contexto mundial.

 

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