Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

E assim regressamos à ignóbil porcaria

Sérgio de Almeida Correia, 17.01.25

Passos Coelho reafirma 2013 como o ano da viragem(créditos: Antonio Cotrim/LUSA)

Era primeiro-ministro Passos Coelho, e Luís Montenegro deputado e líder parlamentar do PSD, eleito após as legislativas, quando o XIX Governo Constitucional apresentou o Documento Verde da Administração Local.

Aí se dizia ser prioridade do Executivo, baseada na proximidade com os cidadãos, fomentar a descentralização administrativa, valorizar a eficiência na gestão e na afectação de recursos públicos destinados ao desenvolvimento social, económico, cultural e ambiental das várias regiões do País e potenciar novas economias de escala.

Pela reforma da administração local dava-se corpo ao memorando com a Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional). A reforma estava orientada para a melhoria da prestação do serviço público, visando o aumento da eficiência e a redução de custos, atendendo às especificidades locais e à necessidade de reforçar o municipalismo e a promoção da coesão e competitividade territorial.

A proposta do Governo pretendia então reduzir para “menos de metade o número de freguesias nas sedes dos municípios com maior densidade populacional”.

Em 31 de Agosto de 2011, Miguel Relvas afirmava ser aquele “o tempo de cada município deixar de tratar os seus problemas de forma individual e isolada."

No debate de Dezembro de 2012, o deputado social-democrata António Leitão Amaro afirmou que em relação a essa reforma estavam, de um lado, os conservadores, imobilistas, os do “quanto pior, melhor”, e do outro lado, do lado e a favor da reforma autárquica, os do PSD e do CDS, os reformistas, porque reformar Portugal era a sua missão. 

Também em apoio dessa reforma, nesse tempo, o actual primeiro-ministro, Luís Montenegro, falando para os ignaros, esclareceu que nessa matéria o PS nunca saiu do mesmo sítio e que não tinha coragem de avançar ou de recuar. Montenegro votou a favor da reforma de Relvas.

Depois de muita discussão e aceso debate, finalmente, em Janeiro de 2013, o Presidente da República, ao tempo aquele senhor de Boliqueime que também contribuiu para a entronização de Luís Montenegro, promulgou a lei, e o então ministro-adjunto e para os Assuntos Parlamentares afirmou que a “reorganização territorial, acompanhada do aumento de competências proposto pelo Governo para as freguesias, permitirá maior eficácia na prestação de serviços às populações”. Enfaticamente afirmou ser aquela “uma reforma para as pessoas e não para os políticos”.

António José Seguro prometia, em 2013, rever a reorganização das freguesias quando ainda sonhava ser primeiro-ministro.

Aqui, no Delito de Opinião, em Fevereiro de 2014, o Pedro Correia destacava essa promessa segurista de revogação da lei de reorganização das freguesias.

Ninguém estranhou, por isso, que quando o PS voltou ao poder, Eduardo Cabrita viesse logo anunciar um novo mapa de freguesias para as autárquicas. Visava-se corrigir um mapa feito “a régua e esquadro”.

No mesmo dia, José Silvano, ao tempo secretário-geral do PSD, afirmou que a reforma de Miguel Relvas de 2012 estava “perfeitamente consolidada e assumida na sociedade portuguesa”. E acrescentou que já tinham ocorrido duas eleições autárquicas (2013 e 2017), pelo que fazer um novo mapa de freguesias seria um disparate e um erro.

E em 2020, Miguel Relvas e Leitão Amaro, sobre uma proposta do PS de fazer reverter a lei, em pleno consulado da “geringonça”, dramatizavam o filme e acusavam os socialistas de promoverem um “negócio partidário” (sic) e de estarem a fazer um favor ao PCP.  O caso era grave e não seria para menos.

Uma sondagem de 2021, do jornal Sol, concluía que os portugueses não queriam mais mexidas nas freguesias.

Sabemos o que entretanto aconteceu e nos trouxe até hoje. Os factos são tantos e tão esmagadores que vos vou poupar à continuação, apesar de muito resumida, deste relambório circunstancial. 

Miguel Relvas, que foi um dos recomendou Luís Montenegro para a liderança do PSD e ajudou o homem do Ribadouro a guindar-se à actual posição de primeiro-ministro, que dizia dele ser "o rosto do futuro”, e é o homem que os portugueses têm hoje a marcar o missal, veio dizer que esta alteração apoiada pelo primeiro-ministro e o PSD é uma reversão “à socapa e ilegal” (16/12/2024), em conluio com o PS, mais o Bloco de Esquerda, o PCP, o Livre e o PAN, e a que no final nem o Chega terá escapado, comportamentos que presumo não sejam próprios de gente de bem e de políticos de uma nação com mais de oito séculos de história. Ao dizer que estamos perante um “retrocesso civilizacional”, Relvas acabaria por mostrar que o poder local e as autarquias são mesmo uma vaca sagrada da democracia. Ou dos bois, comilões e obesos que em 2025 ditam as leis.

O Presidente Marcelo, que há muito perdeu o norte no rodopio das selfies, na beijoqueira e nos piropos às moçoilas, também não travou esta miséria que irá continuar a empobrecer o país e a alimentar o populismo fascista e uma esquerda oca e cada vez mais wokista. E dali lavou as mãos. Se formalmente está bem, é seguir a marcha.

De uma machadada, Luís Montenegro e o PSD – aquele apêndice de lambisgóias e forcados não risca – acabaram com as preocupações reformistas quanto ao aumento de eficiência das autarquias e dos serviços públicos, com a coesão territorial e com a sustentabilidade do poder local. E fazendo tábua rasa de tudo o que disseram, escreveram e apregoaram desde os tempos da Troika, aliaram-se ao PS, PCP, BE, PAN e Livre, e predispuseram-se a repor 303 freguesias para distribuirem mais alguns empregos às clientelas dos partidos.

Longe vão os tempos em que o PSD queria reduzir em 35% o número de vereadores eleitos e eliminar freguesias. Foi só esta gente chegar ao pote e começaram logo a pensar como engordar os porcos e distribuir os presuntos. Para estes cambalachos não faz mal votar com os socialistas, os comunas e os bloquistas.

Eu até posso perceber que fosse necessário mexer num ou noutro caso pontual. Mas tudo o mais ultrapassa a minha capacidade de compreensão. Ainda que me coloque no lugar deles. Isso e o que leva o ministro Castro Almeida, que foi Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional no XIX Governo, a embarcar nesta reviravolta e naquele moscambilha dos solos.

Para quem se atirava aos socialistas, e nalguns casos com toda a razão, a situação actual, com o Eça já instalado nos novos aposentos do Panteão Nacional, é uma reedição, ao bom jeito do montenegrismo mais pacóvio e mais rural, da ignóbil porcaria. De nada servirá dizer que o novo mapa só se aplicará depois das autárquicas que ai vêm porque o mal já estará feito.

Não se livrem os portugueses desta malta e ainda acabam todos a pedir aos vizinhos que os colonizem.

Para quem ainda pensava que das juventudes partidárias saía alguma coisa de útil, basta olhar para o que o país tem, produziu e construiu nas últimas décadas.

Os poucos que sobressaem da mediocridade instalada vivem por si. Os seus êxitos, sejam futebolistas, escritores, cineastas, cientistas, escultores, músicos, arquitectos, poetas, devem-nos cada vez mais a si próprios.

Enfim, gosto demasiado de Portugal e da minha gente para repetir aqui uma frase famosa do João César Monteiro, a propósito dos críticos. Confesso, todavia, que começo a estar enojado destas pandilhas.

De Portugal, a avaliar pelo que fazem, dir-se-ia que só receberam a nacionalidade. E nalguns casos já terá sido demasiado. Não merecem o chão que pisam.

Se há, como diz o soba-mor, depois de iniciar este novo ciclo com a contratação de um reformado que a mulher queria ver fora de casa e a fazer alguma coisa, quem “pague para trabalhar” – o desplante com que estas coisas são ditas é de tarar –, outros há que são pagos, há um ror de anos e à custa de todos nós, para asneirar. 

E continuam, fazendo-o com cada vez mais presunção de tão ofuscados que estão com o brilho do sebo nas suas garbosas polainas.

Esta gente é imprestável. Ponto final.

9 comentários

Comentar post