Dylan Once Again
Hoje o mundo veio abaixo, com um míssil disparado de Estocolmo. Atribuiu-se a Bob Dylan, o desgrenhado compositor de voz rouca, o Prémio Nobel da Literatura.
Passei o dia a ouvir opiniões de dois grupos antagónicos. De um lado, gente petrificada com a chegada do apocalipse e, do outro, malta a pulular em euforia pela ousadia da escolha. A mim, coube-me o desconforto. Porque de alguma forma, sentia que letras de canções não encaixavam na categoria.
A Velha do Restelo e a Rapariga Prá Frentex que coexistem no meu córtex pré-frontal e que arbitram os casos difíceis, degladiavam-se em argumentos ininterruptos.
Pois que letras de canções são poesia. E já foi premiado mais do que um poeta. Devia valer. E um dramaturgo? Também já foi premiado, ora. Será uma peça de teatro literatura? E o Chico Buarque? é poeta, caramba. Macacos me mordam.
E andei nisto todo o dia, a querer à brava ser a favor da nomeação de Bob Dylan para ser moderna, mas sem me conseguir render.
Até que, chegando à noitinha, e para meu grande alívio, percebi porque é que letras de canções e peças de teatro não se deviam misturar no campeonato da literatura. A questão é que, se na forma as podemos ver como semelhantes, na função nada têm a ver.
Um letrista escreve poesia para ser cantada. Um dramaturgo escreve teatro para ser levado a cena. À letra acrescenta-se música. Ao argumento, acrescentam-se actores, luzes, som.
A literatura é, simplesmente, para ser lida. Não tem outra função, não é apenas uma parte de outra coisa maior.
E nisso que reside a diferença. E é por isso que não faz sentido premiar a partir do mesmo saco.