«Duvido que Putin pare na Ucrânia»
A escritora bielorrussa Svetlana Alexiévitch, galardoada em 2015 com o Prémio Nobel da Literatura, deu uma notável entrevista ao jornal italiano Corriere della Sera em que reflecte sobre questões essenciais ligadas à invasão da Ucrânia pela Rússia.
Forçada a exilar-se na Alemanha pelo ditador bielorrusso Aleksandr Lukachenko, a autora de Vozes de Chernobyl lança vários avisos aos países ocidentais para não deixarem sem auxílio o heróico povo ucraniano, agredido pelo país que possui o maior arsenal nuclear do planeta.
Destaco algumas frases mais marcantes desta entrevista, conduzida pelo jornalista Fabrizio Dragosei e que li na tradução publicada terça-feira no diário espanhol El Mundo:
«Quando a URSS foi derrubada, em 1991, alegrámo-nos por ter acontecido de forma pacífica. Mas sobrestimámos a morte do comunismo. Não é verdade, de todo. E percebemos isso agora. Este homem vermelho, o homo sovieticus, está vivo.»
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«Se recapitularmos a nossa história, tanto soviética como pós-soviética, [o legado do comunismo] é uma enorme fossa comum, um banho de sangue contínuo.»
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«[Putin] deu uma lição de História plena de analfabetismo. Mas esta é a sua visão do mundo. Definitivamente, em vez de rumarmos ao futuro retrocedemos à Idade Média.»
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«Duvido que [Putin] pare na Ucrânia se conseguir vencer. Espero que a Europa, que se tem mostrado unida, permaneça firme. E também os EUA. Não é por acaso que [Putin] nos assusta a todos com as armas nucleares.»
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«[A Bielorrússia] é uma máquina do tempo, um museu do passado. Lukachenko já não tem autonomia. O país está cheio de tropas russas e, como as baixas são muito elevadas, Putin vai obrigá-lo a participar na guerra.»
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«Ainda usamos os velhos conceitos de amigo-inimigo e longe-perto, mas depois de Chernobyl isto já não significa nada. Ao quarto dia, a nuvem de Chernobyl [em 1986] já sobrevoava África e a China. Nós-eles, amigo-inimigo... Já não tem sentido porque o vento é que decide para onde ir.»
Palavras que ganham especial relevo depois dos criminosos bombardeamentos ontem registados em cidades ucranianas como Mariúpol, onde até o hospital pediátrico ficou em escombros devido à artilharia russa. Um crime «inaceitável», observou o secretário de Estado do Vaticano. Enquanto a Cruz Vermelha Internacional, menos poupada nas palavras, define o cenário como «apocalíptico».
Segundo números oficiais da ONU, a agressão ordenada por Putin ao país vizinho já provocou 516 mortos e 908 feridos só entre a população civil. E a Organização Mundial da Saúde especifica: foram dirigidos 18 ataques a instalações médicas e hospitalares. Haverá pior crime contra a humanidade?
A invasão bélica da Ucrânia - traindo todas as promessas feitas pelo ditador moscovita - começou faz hoje duas semanas.