Dos malefícios da arte (ou: O inferno deve suportar-se sem paliativos)
Lenine, o protótipo do ditador do século XX, tinha autores e compositores favoritos mas era um materialista demasiado rigoroso para se preocupar muito com a arte. Tinha pouca paciência para a avant-garde e uma vez irritou-se quando futuristas pintaram as árvores dos jardins Aleksandrovsky com as cores do Primeiro de Maio. Considerava a música um placebo burguês que escondia os sofrimentos da humanidade. Em conversa com Maxim Gorky, elogiou o poder de Beethoven, mas acrescentou: «Não posso ouvir música com muita frequência. Afecta os nervos, faz sentir vontade de dizer coisas estupidamente simpáticas e de afagar a cabeça das pessoas que conseguiram criar tamanha beleza, mesmo vivendo neste inferno.»
Alex Ross, The Rest is Noise: Listening to the Twentieth Century.
Edição Picador. Tradução minha.
(E agora dêem-me licença; vou assistir aos concertos das Noites Ritual, nos jardins do Palácio de Cristal.)