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Delito de Opinião

Dois magníficos documentários

Pedro Correia, 27.09.20

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O documentarismo televisivo português atravessa uma das melhores fases de sempre. Comprovei isso nos últimos dias, vendo dois magníficos documentários - um no segundo canal da RTP, outro na SIC. Nenhum deles alvo de promoção especial pelas respectivas estações, algo que já não estranho: o espectador atento tem de descobrir pela sua própria intuição o que de melhor ali se oferece.

O da SIC, exibido faz hoje oito dias no âmbito da rubrica "Vida Selvagem", intitula-se Mar da Minha Terra - Almada Atlântica. Pede meças aos melhores filmes sobre fauna e flora do planeta exibidos há décadas em estações de referência no género, como a BBC. 

Com realização de Luís Quinta, credenciado fotógrafo da natureza, e competente locução de Augusto Seabra, este documentário mostra-nos o que muitos desconhecíamos: «Entre a Costa da Caparica e o Cabo Espichel existe um imenso mar de segredos onde criaturas belas e raras nadam, voam e encontram refúgio. Aqui, gigantes marinhos coexistem com seres minúsculos de micromundos. À fauna local juntam-se viajantes oceânicos.»

É, para muitos de nós, uma revelação: a escassos quilómetros do areal que tanta gente frequenta, com a arriba fóssil bem à vista, nadam tartarugas, golfinhos, roazes, tubarões azuis, baleias anãs e orcas. Filmados neste habitat que, em muitos casos, constitui já sua morada permanente. Comprovando assim a qualidade destas águas e destas praias, não por acaso distinguidas anos a fio com a bandeira azul. A natureza segue aqui o seu curso: toda uma revelação para quem só costuma ver as águas oceânicas portuguesas associadas a deprimentes notícias que dão conta da sua degradação com carácter irreversível. 

 

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O outro documentário, exibido a 16 de Setembro no canal estatal, intitula-se Exílio no Atlântico e revela-nos um episódio ignorado, dos muitos em que Portugal funcionou como refúgio nos dias sangrentos da II Guerra Mundial: cerca de dois mil habitantes de Gibraltar, evacuados do enclave-rochedo por decisão do comando militar britânico, encontraram asilo na Ilha da Madeira e ali permaneceram cinco anos, entre 1940 e 1945. Resguardados do conflito mais dilacerante que a História já conheceu.

É um filme assinado por Pedro Mesquita, que nos narra a história dessas famílias, amputadas do local de nascimento, da residência, da ligação umbilical a Londres e, em muitos casos, até de alguns parentes muito próximos, mobilizados em acções bélicas a centenas ou milhares de quilómetros de distância. Ao mesmo tempo ficamos a saber um pouco mais sobre as virtudes hospitaleiras dos portugueses e a vocação do nosso país - que tantas vezes menosprezamos sem motivo válido - para funcionar como porto de abrigo.

«Nós, na Madeira, pudemos considerar-nos muito afortunados. Porque vivemos uma vida normal, sem nenhuma preocupação com a guerra», lembra um desses refugiados - então menino, hoje um ancião grato à inesperada dádiva que recebeu na roleta da existência. É comovente ver como a marca da infância experimentada na Pérola do Atlântico, território neutral num mundo em chamas, ficou impressa para sempre naquelas crianças e adolescentes ainda capazes de falar e cantar em português. Uma lição de vida. E uma demonstração prática de como as circunstâncias fortuitas podem mudar-nos o destino. Dependemos sempre do acaso, o outro nome que atribuímos ao desconhecido.

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