Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

Do princípio ao fim (9)

José Navarro de Andrade, 01.10.16

RaymondChandler_TheLongGoodbye.jpg

Sabem muito bem os compositores que terminar uma peça é mais difícil do que começá-la. Se o início da música pode ocorrer ao cérebro, por via daquilo a que se chama inspiração, com uma inesperada sequência de acordes e uma interessante, mesmo que débil, linha melódica, já a conclusão tem que fazer sentido. Ora o sentido é transpiração, não é inspiração.
Há tantos romances que se perdem no fim, ou porque foram para lá do que deviam, ou porque deram uma guinada insensata, ou porque se acobardaram a fechar a narrativa, deixando-a falaciosamente em aberto. Outros há, porém, que colocam o apogeu no final, que é uma forma eficaz, e por vezes brilhante, de fugir ao som sepulcral da porta que fecha e a esse acto de suprema confiança no leitor que é o de entregar ao seu critério os dilemas que o romance foi construindo e resolvendo.
E porque ao leitor cabe prosseguir o que ficou escrito da maneira que entender, os melhores finais são aqueles que não deixam o livro por terminar e libertam o leitor dele.


Talvez haja poucos remates tão melancólicos como o de “The Long Goodbye” (1953) de Raymond Chandler (1888-1959):
“He turned and walked across the floor and out. I watched the door close. I listened to his steps going away down the imitation marble corridor. After a while they got faint, then they got silent. I kept on listening anyway. What for? Did I want him to stop suddenly and turn and come back and talk me out of the way I felt? Well, he didn't. That was the last I saw of him.
I never saw any of them again – except the cops. No way has yet been invented to say goodbye to them.”


Quem fica assim, fica só na companhia de quem o lê. E quando logo a seguir se fechar o livro resta-lhe a esperança, vaga e contingente, de que a sua memória deixe algum rasto durante algum tempo.

2 comentários

Comentar post