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Delito de Opinião

Do meu baú (3)

Pedro Correia, 02.07.20

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Sou coleccionador compulsivo das entrevistas de falsos profetas. Sobretudo aqueles que profetizam desgraças e calamidades. Um dos mais simpáticos dentro do género, devo reconhecer, é João Ferreira do Amaral «economista conceituado», como o introduz Clara Ferreira Alves na entrevista (insolitamente apresentada como "almoço") que assinou com ele na revista do Expresso, edição de 4 de Maio de 2013

O título de capa é um daqueles que vendem sempre bem: «Vamos sair do euro.» Assim mesmo, neste tom categórico, sem margem para dúvida.

Como se fosse pouco, lá dentro (página 37) a certeza torna-se ainda mais indubitável: «É claro que vamos sair do euro.»

 

«Num restaurante de Lisboa com vista larga sobre o rio, pediu cabrito assado com batatas. Água. Mais nada. Fala dos assuntos com a voz desapaixonada do técnico e do conhecedor.» Assim alude a ele a jornalista, em prosa quase poética, sem disfarçar o deslumbramento pelo entrevistado: «Lê-lo é um exercício de clareza e de esclarecimento, e tem razão em muitas coisas que aponta. A saída deverá ser controlada para não ser traumática, e será um benefício para a economia. Portugal continuaria na União Europeia e no espaço Schengen. A história já lhe deu razão em quase tudo.»

Caramba, é difícil um simples leitor não se sentir esmagado com tanta sapiência. Tudo isto nos parágrafos de entrada, ainda sem termos acesso ao pensamento do entrevistado. 

 

«Não ponho sequer a alternativa de ficarmos», debita o professor, que trabalhou no Palácio de Belém, entre 1991 e 1996, como consultor de Mário Soares. E nem seria necessário convocar os portugueses para referendar tão relevante opção política. Motivo? «Visto que não entrámos com um, não há razão para precisarmos de um para sair.»

Possíveis consequências, para o País, de uma "saída ordeira" da moeda única? Hipótese desenvolvida num trecho da entrevista: «Seria o cenário argentino. Teríamos dois anos infernais e depois resolvia-se. O pior são os dois anos, do ponto de vista democrático. A violência, a bandidagem...» E noutro trecho: «Vejo imensos [riscos]. Pode correr mal. Pode gerar-se um pânico.»

 

Sete anos depois, ao revisitarmos este ameno bate-papo, ficamos esmagados com tanta acutilância e tanta presciência daquele a quem «a história já deu razão em quase tudo».

Fez bem, de qualquer modo, o Presidente Soares em não ter seguido os conselhos deste seu sábio consultor.

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