Cadernos de um enviado especial ao purgatório (4)
Carl Von Clausewitz defendia a doutrina de guerra incisiva, na qual a população do inimigo tinha de ser submetida às necessidades políticas dos beligerantes. Esta tese tornou-se dominante no século XX, sobretudo durante as duas Guerras Mundiais, onde os exércitos invasores executaram acções brutais contra populações civis. Segundo se pensava, impor o terror era uma das formas de vencer, mas na prática isso apenas aumentou a resistência, dificultando a vitória.
A forma violenta como o exército israelita está a lidar com a situação em Gaza aponta para um exemplo clássico da estratégia de Clausewitz: guerra curta, tácticas que não poupam populações, a intenção de esmagar a liderança política, neste caso, do Hamas.
Em 1804, ao saber do assassínio do Duque de Enghien (fuzilado de noite, de forma impiedosa, com uma lanterna ao peito) o ministro da polícia de Napoleão, Joseph Fouché, afirmou para a posteridade: “Pior que um crime, é um erro”. A frase é cínica, mas aplica-se ao que Israel tenta fazer na Faixa de Gaza. A brutalidade contra populações civis só vai radicalizar o Hamas e aumentar a simpatia da opinião pública por este grupo radical. Haverá vítimas inúteis em maior número e um ciclo de violência mais prolongado. Em vez da submissão, apenas se encontrará resistência redobrada.
O Hamas pode ser esmagado, mas se isso acontecer, vão crescer como cogumelos novas organizações ainda mais radicalizadas. Os EUA, que fornecem as munições, terão dificuldade em manter as suas alianças no Médio Oriente. Em Israel, um quinto da população é árabe, mas alguns políticos extremistas israelitas defendem um Estado exclusivamente judaico, há até quem queira a expulsão de cidadãos.
De facto, pior que um crime, tudo isto parece ser um monstruoso erro.