Cadernos de um enviado especial ao purgatório (3)
Nas redes sociais encontram-se textos muito violentos contra Marcelo Rebelo de Sousa e Miguel Sousa Tavares, por nenhum deles ter condenado publicamente o banqueiro Ricardo Salgado. São variações de um artigo do cómico João Miguel Tavares, que insistia na mesma tecla: devido às suas ligações de amizade, os dois comentadores recusaram criticar em público o amigo banqueiro. Portugal procura um bode expiatório para os seus problemas e já escolheu aquele que serve às mil maravilhas. Quem no passado opinou que Ricardo Salgado tinha charme (rigorosa verdade) é agora insultado nas redes sociais e equiparado a traidor da Pátria. Os comentadores que evitaram falar do seu amigo, esses, embora revelassem carácter, são agora fustigados por alegada omissão. E depois surgem os heróis que ninguém viu, mas que agora reivindicam denúncias corajosas. Repito: um comentador ou jornalista que evita falar dos seus amigos revela dignidade. Marcelo Rebelo de Sousa e Miguel Sousa Tavares evitaram criticar o banqueiro Ricardo Salgado, avisando que não se pronunciavam devido à ligação que tinham com ele. Compreendo: também não critico os meus amigos em público. Aliás, este problema da amizade em contraste com a verdade pode ser levado mais longe: em última análise, um comentador teria de vergastar publicamente as pessoas que ama. Toda a gente tem defeitos e, levando a tese ao absurdo, sendo a crítica um dever, o hipócrita terá a suprema obrigação de lançar a primeira pedra. Vivemos nos tempos do purgatório, ninguém pode ter amigos e há até quem se gabe de não os ter.