Cadernos de um enviado especial ao purgatório (1)
Não se pense que é tudo mau por aqui. Temos sol e certa tranquilidade, obesos e diabéticos, mulheres bonitas, bronzeadas, o céu azul-marinho, a brisa meio envergonhada, sopa de marisco e novela da tarde, craques de futebol comprados nos saldos, ex-banqueiros a afundar a bolsa, pessimistas no comentário matinal, jornais sem notícias e o país sem pressa, porventura está um poucochinho de calor, a procissão sai ainda do adro e requer certa paciência na calma. Aqui é tudo verde e sedoso, prolongado e contido, cheio de esperança, mas nada de especial, sempre à espera não se sabe bem de quê. Que o tempo passe, talvez, que tudo escorregue sem passar, que o comboio chegue. Há quem esteja pior, nem a dormir nem acordado, preocupado com a mera preocupação, não sendo infecção nem alergia, mas estado de alma em fase aguda. Aqui, onde me encontra o crepúsculo, posso afirmar, com a certeza típica de um enviado especial que entrevistou a sua dose de taxistas: este é o País mais banal do mundo.