Diário semifictício de insignificâncias (35)
Uma das poucas coisas que dão satisfação à minha mãe é agora já poder morrer. Até há poucas semanas, se morresse não poderia ser sepultada na campa dos pais. Uma das três irmãs (todas mais novas) antecipara-se. Todavia, agora já passou o número de anos suficiente para que o enterro naquela campa volte a ser possível. Foi a melhor notícia que ela teve nos últimos tempos.
Não sei se me sinta satisfeito por ela (com ela), se deprimido. Frequentemente, eu apanhava-me a pensar que o raio do prazo era o principal motivo para ela se manter viva. Agora, resto eu, que estou quase sempre longe, e, em menor grau, o meu pai, que hoje em dia a preocupa e exaspera em igual medida.
Ainda por cima, sobra-lhe uma irmã. É certo que se trata da mais nova de todas, e que parece andar de boa saúde, mas não deixa de constituir um risco apreciável: a minha mãe não o admite, mas aquilo que neste momento mais a assusta é poder ver-se novamente ultrapassada na corrida à campa dos pais.