Diário semifictício de insignificâncias (9)
Para Agosto, o trânsito tem andado mauzito. Bastante melhor do que noutros meses, mas mauzito. Talvez menos portuenses tenham ido para fora do que em anos anteriores. Ou quiçá o acréscimo de viaturas se deva exclusivamente aos turistas espanhóis. Ou se calhar muita gente anda a gastar combustível para ajudar as contas públicas. Ou então o fumo dos incêndios e o calor excessivo das primeiras semanas do mês deixaram o meu pessimismo numa fase particularmente aguda, que me leva a ver mais carros do que em anos anteriores.
Realisticamente (se um optimista é um pessimista mal informado, um realista é um pessimista capaz de fazer escolhas), inclino-me para uma conjugação das hipóteses 1, 2 e 4 - as reportagens televisivas mostram praias algarvias cheias, circulam nas ruas muitas matrículas espanholas, e eu não posso estar bem quando também me parece andarem por aí menos mulheres atraentes em trajes de Verão de que noutros anos. Mas, seja a verdade qual for, sinto falta de uma cidade calma, em modo de pausa. Turistas nos passeios e nas esplanadas não me incomodam; fazem-me sentir num destino de férias e até conferem cosmopolitismo à minha decisão de aqui permanecer. Mas, por algum motivo, o trânsito arruína a sensação de que a cidade é uma espécie de cenário megalómano, feito exclusivamente para mim e para meia dúzia de outros residentes tão esclarecidos como eu - pessoas disponíveis para a cidade nesta altura do ano por saberem que é agora que ela atinge o grau máximo de disponibilidade.
Por outro lado (diabos levem esta necessidade de manter os pés no chão, dispensada com estonteante leveza pelos optimistas), «esclarecido» pode não ser o termo mais correcto para designar quem fica a trabalhar em Agosto.