Diário semifictício de insignificâncias (29)
Encontro o meu velho Sony Ericsson no fundo de uma gaveta. Pego nele, revolvo-o nas mãos. É do final da época em que os fabricantes procuravam tornar os telemóveis do tamanho de cartões de crédito. Dos tempos em que os telemóveis ainda não eram computadores e, mesmo sendo já capazes de tirar fotografias, ninguém os confundia com máquinas fotográficas.
Procuro ligá-lo, sem sucesso. No mínimo, tem a bateria descarregada. Devia deitá-lo fora. Só ocupa espaço - embora pouco (muito pouco).
Lembro-me do prazer que tive ao comprá-lo. Um objecto tão pequeno e fino, impante na sua miniaturização, nas capacidades de ler ficheiros MP3 e de tirar fotos com 2 megapixeis de resolução. Uma espécie de chihuahua particulamente dotado e orgulhoso de o ser. Claro, o orgulho era meu - como o dos chihuahuas também é frequentemente mais dos donos. Três anos depois, acabou relegado para o fundo de uma gaveta.
Ansia-se por objectos. Brinquedos electrónicos no caso dos homens, roupa e sapatos no caso das mulheres. Extrai-se deles o prazer que nem sempre se consegue obter por outra via - pela leitura, pela música, pelo cinema, pela arte, pelo contacto com outros humanos. Consideram-se fundamentais durante uns tempos, depois atiram-se para o lixo. Os caixotes do lixo são depósitos de sonhos cuja validade expirou. Ainda que - como é habitual nos sonhos - possam vir a ser reciclados.
Interrompo as digressões mentais e digo-me novamente que devia deitá-lo fora. Contudo, volto a enfiá-lo na gaveta. Ocupa tão pouco espaço.