Diário Secreto
Resolvi começar a escrever este diário porque li não sei onde (muita porcaria lê uma pessoa na internet, caramba) que a escrita é como um músculo que precisa de ser trabalhado todos os dias. De maneira que, numa tentativa de contrariar a tendência de todos os meus outros músculos, que se regozijam na inércia, meti mãos à obra.
Confesso que me sinto ligeiramente ridícula, que isto de escrever diários é entretém de miúda adolescente. Já não temos idade para vir para aqui contar segredos, não é senhor diário? Ah, ah, ah, o senhor não estava à espera que eu lhe contasse todas as minhas intimidades, pois não? Tá bem, tá.
Digamos que usarei este espaço para anotar os pormenores curiosos que me vão passando pela frente à medida dos dias.
No outro dia, por exemplo, descobri que uma senhora que anda há meses no meu curso de escrita criativa é avó do João André, colega do meu filho na escola.
É um faits divers, bem sei, mas interessa-me deixar registado, a este propósito, que a mãe da criança (ex-nora da senhora) é gótica aos quarenta anos. Mas é um gótica catequista, não façamos confusões, das que levam a viola nas festas da escola e cantam com o fervor da Maria Von Trapp.
Lembrei-me disto porque andamos a estudar a construção das personagens e discutia-se precisamente a necessidade de se criar personagens espessas, desconcertantes, com várias camadas. Ora se há personagem improvável, é a Alice. Macacos me mordam.
O filho da senhora também dava um belo protagonista. Altíssimo, sempre de gabardine no Inverno, e com chapéu de detective.
A meio da aula distraí-me e lembrei-me que aqui há uns tempos tinha imaginado a cena de um homem que queria doar o corpo à arte (vs doar o corpo à ciência) e que perseguia artistas plásticos para combinar com eles o que lhe iriam fazer assim que entregasse a alma ao criador. Tenho de procurar essas notas, que acho a ideia de génio.
Ás vezes tenho ideias geniais. E preguiça também.