Diário do coronavírus (7)
Entendam-se, por favor. Devem isso aos portugueses - a este admirável povo que não necessitou de nenhuma declaração de estado de emergência para recolher a casa, para adoptar medidas de distância sanitária, para proceder de acordo com aquilo que a mais elementar prudência recomendava.
Passou mais de um mês e continuam a emitir declarações contraditórias sobre o uso das máscaras. Entendam-se, por favor. Deixem de improvisar tanto. Deixem de procurar apanhar a mais recente boleia do "parece bem". Ponham de parte os achismos. Forneçam-nos evidências científicas, falem connosco como merecemos que qualquer governante nos fale: somos gente adulta, consciente e responsável.
A 22 de Março, em conferência de imprensa, a directora-geral da Saúde declarou: «Não use máscara, é uma falsa sensação de segurança. (...) Usar máscara não vale a pena, o distanciamento social é o mais importante.»
A 5 de Abril, também em conferência de imprensa, a ministra da Saúde matizou esta posição oficial das autoridades sanitárias: «Se devidamente utilizada, [a máscara] pode ter efeito protector.» Tinham passado apenas duas semanas e já o discurso era outro.
O Presidente da República, que após um período de reclusão voluntária parece querer recuperar o tempo perdido, aparecendo a toda a hora sem filtro nem travão, intrometeu-se entretanto na questão invocando como autoridade na matéria os próprios netos, 24 horas antes da cautelosa mudança de posição assumida por Marta Temido: «Uso máscara. Isso é uma ideia que me veio até um bocadinho do que os meus netos me contaram que foi a lição da China.»
Coincidência ou não, desde que Marcelo Rebelo de Sousa fez esta declaração passei a ver muito mais gente mascarada na rua.
As pessoas circulam com máscaras de todo o género - incluindo máscaras cirúrgicas e as chamadas "máscaras egoístas", que protegem quem as transporta mas podem emitir germes que contaminam outras. Vejo cada vez mais indivíduos com máscaras no queixo, na testa, no pescoço, mantendo o nariz de fora - há para todos os gostos, comportamentos e feitios.
Como se não fosse um bem escasso, o que me deixa chocado.
Enquanto isto acontece, este equipamento de protecção individual falta onde é mais necessário: nas urgências hospitalares. Como faltam luvas, viseiras e zaragatoas. Como faltam meios de rastreio nos chamados "lares de idosos", onde a situação leva alguns autarcas a fazer apelos desesperados para a renovação de stocks.
O aumento da procura levou a que as máscaras esgotassem em quase todas as farmácias portuguesas. E, quando existem, estão à venda a preços proibitivos. Vários países começaram, aliás, a fazer obscenos leilões de máscaras oriundas da China ou da Turquia, que acabam regateadas ou mesmo confiscadas nas próprias pistas dos aeroportos europeus.
Entretanto, o director-geral da Organização Mundial da Saúde - remando na direcção contrária do inquilino do Palácio de Belém - fazia ontem um apelo dramático que repercutiu no planeta inteiro: «Estamos preocupados com a utilização maciça de máscaras cirúrgicas pela população em geral que possa agravar a escassez das máscaras especializadas para as pessoas que mais delas precisam. Em alguns locais, a escassez deste equipamento está a pôr os profissionais da saúde em grande risco.»
Caramba, é difícil falar mais claro.
Entendam-se, por favor. De uma vez para sempre. Nós merecemos isso.