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Delito de Opinião

Diário do coronavírus (11)

Pedro Correia, 21.05.20

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Foto: Miguel A. Lopes / Lusa

 

O primeiro-ministro foi almoçar com o presidente da Assembleia da República. Isto é notícia cá na terra: convocaram-se os jornalistas, que logo acorreram, e todos derramaram abundante eco de tal facto.

No final, Rodrigues não teve nada de mais interessante para dizer do que recomendar, ele também, o voto em Rebelo de Sousa, o candidato socialista. Costa, bem ao seu estilo, ironizou algo desdenhosamente com um dos raros méritos da pandemia: agora já não anda a ser tocado ou atropelado por jornalistas, que mantêm irrepreensível zelo na manutenção da distância física. A que quase todos chamam "distanciamento social" - expressão de óbvia importação dos States, a terra de todos os absurdos. E nós adoramos aportuguesar de imediato qualquer expressão imbecil que traga selo "amaricano".

 

Rebelo de Sousa, também muito ao seu estilo, decidiu não ficar atrás. No dia seguinte (ontem) decidiu ele almoçar num restaurante e fez questão de que isso fosse igualmente notícia.

Falta muito pouco para regressarmos ao espírito da época em que se imprimiu a primeira notícia do Diário de Notícias, a 29 de Dezembro de 1864: «Suas Majestades e Altezas passam sem novidade em suas importantes saúdes».

 

Convocados os jornalistas, que acorreram com idêntico zelo ao que haviam revelado na véspera e o mesmo sacrossanto respeitinho sanitário, Sua Excelência abancou no restaurante usando máscara e luvas, enquanto o Chefe da Casa Civil da Presidência da República, sentado à conveniente distância de dois metros, transportava uma aparatosa viseira.

Lá estiveram nestes preparos, muito "higienizados", enquanto a cordata chusma de repórteres filmava e fotograva. Sem que ninguém ousasse dirigir ao Presidente a pergunta que se impunha: «Se veio aqui para demonstrar aos portugueses que agora já podem ter confiança nos restaurantes por que motivo está sentado à mesa de máscara e luvas, e a pessoa que o acompanha veio de viseira, à semelhança dos agentes da GNR quando inspeccionam veículos suspeitos?»

 

Ao nosso enluvado e mascarado Presidente parece não ter chegado ainda o eco das mais recentes "evidências científicas" divulgadas pela Organização Mundial de Saúde: não existem provas de contágio de Covid-19 através de superfícies eventualmente contaminadas. Segundo a OMS, a constante desinfecção das ditas é um mero placebo, equivalente ao copo de água que alguns tomam todas as manhãs em jejum e certamente menos intrusiva do que a hidroxicloroquina sem prescrição médica que Donald Trump ingere: dá «maior tranquilidade à população»

Que bom: poderemos recuperar a vontade de "tocar em superfícies". Faltam poucos dias para que as damas sanitárias que nos pastoreiam anunciem a Boa Nova aos indígenas em conferência de imprensa. 

Mal posso esperar.

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