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Delito de Opinião

Dez notas sobre as eleições gregas

Rui Rocha, 25.01.15

  1. É aconselhável controlar os níveis de ansiedade. O mais certo é que após as eleições fiquem muitas questões por esclarecer que só se irão clarificando com o decorrer das semanas e, eventualmente, dos meses. No limite, as eleições podem revelar-se inúteis se não for possível encontrar uma maioria política ou consensos que permitam formar um governo. A mesma paciência será necessária para acompanhar prováveis e sucessivas rondas de negociação entre o novo governo e as entidades internacionais.

  2. Uma saída da Grécia do Euro terá sempre custos mais elevados para todas as partes do que as alternativas. Os credores internacionais, com a Alemanha à cabeça, sofreriam perdas elevadas. Mas será sempre um problema enorme para a Grécia. A consequência imediata seria mais recessão, desemprego e menor receita fiscal, impondo aos gregos um novo e significativo esforço de ajustamento. Para além do mais, a Grécia é beneficiária de transferências líquidas do orçamento comunitário que ficariam de imediato comprometidas.

  3. Não chegámos aqui por acaso. Desde o princípio, o que esteve em causa foi a intenção determinada de não admitir o moral hazard que decorreria de uma solução que aparentasse transferir para os credores internacionais e parceiros da UE os custos do desastre grego. Desenganem-se, portanto, aqueles que pensam que uma eventual vitória do Syriza fará alterar esta visão do problema. São possíveis, pela via negocial, soluções que permitam às duas partes salvar a face. Outras, de que decorra um aliviar significativo das imposições de ajustamento aos gregos ou que impliquem um capitular da posição da Alemanha estão fora de causa. Qualquer alteração mais ou menos substancial de orientação far-se-á sempre no quadro global, como acontece com as iniciativas do BCE, e nunca na relação directa com a Grécia.

  4. Mais. Ainda que se considerasse que a política adequada para um país periférico na situação da Grécia seria a redução da dívida e a adopção de uma política de investimento público, nunca a Alemanha aceitaria que esta fosse desenhada num contexto de imposição por um governo liderado pelo Syriza. À doutrina do moral hazard junta-se agora a necessidade germânica de não permitir que o exemplo de uma eventual posição de força grega potencie o desenvolvimento de fenómenos como o Podemos.

  5. A dívida da Grécia é provavelmente sustentável uma vez que o factor determinante é a taxa de juro, não o volume. A dívida grega, depois de sucessivas operações de reestruturação, e tendo em conta o contexto favorável, tem hoje taxas de juro francamente baixas e maturidades longas. Neste cenário, dificilmente a Grécia encontrará argumentos para forçar um perdão significativo da dívida. Uma estratégia negocial adequada poderá todavia permitir obter (ainda) melhores condições em termos de taxas de juro ou de maturidades.

  6. A evolução favorável das taxas de juro e um contexto global mais desanuviado, com a queda do preço do petróleo, poderão permitir algum desagravamento fiscal e um estímulo económico que permitirá recuperar algum emprego. Este efeito, se for acompanhado da já referida renegociação dos termos do serviço da dívida, poderão ser os suficientes para que um eventual governo do Syriza, sem impôr a sua agenda mais radical, apareça aos olhos da opinião pública como factor de melhoria da situação grega.

  7. Uma via complementar para estabelecer uma negociação mais equilibrada do ponto de vista grego seria a da promover alguma forma de indexação dos empréstimos à evolução do produto interno bruto, sempre no quadro de uma solução que garantisse a adopção de reformas estruturais que serão sempre exigidas pelos credores como contrapartidas.

  8. Mesmo os que acreditam que é possível impor uma linha política mais radical na vertente externa e que esta seria a mais adequada para a situação grega (perdão de dívida, financiamento para plano de investimento público), uma eventual insistência do Syriza na adopção de um programa estatizante e de planeamento central conduziria a Grécia à cristalização de novas linhas de rigidez estrutural que reforçariam a falta de competividade da economia. Isto é, se o teste da realidade será fundamental na vertente externa, não será menos decisivo ao nível da gestão interna das políticas económicas. Num cenário de negociação de soluções, as veleidades a este nível cedo se perderão pela imposição de garantias de concretização de reformas estruturais potenciadoras dos mecanismos de mercado.

  9. No pressuposto de que as partes envolvidas seguirão alguma racionalidade, por muito que isso fosse interessante do ponto de vista da análise e experimentação, não são de esperar situações de ruptura ou decisões irreversíveis. Teremos impasses, dúvidas, angústias e tensão. A corda esticará até onde não existir o risco de partir e o princípio da realidade imporá soluções a propósito das quais nenhuma das partes possa aparecer como irremediavelmente derrotada. O segredo reside na gestão de expectativas. Mas tudo isto parte do pressuposto de racionalidade. A este propósito são muito reveladoras as notícias sobre as receitas dos impostos gregos das últimas semanas. Na expectativa de uma vitória do Syriza, os contribuintes gregos deixaram de cumprir as obrigações fiscais de forma maciça. Correm igualmente notícias sobre um bank run com algum significado. A tentação de forçar argumentos negociais na vertente externa por parte de um governo do Syriza pode, paradoxalmente, fazer ruir o que resta da Grécia em virtude de movimentos irracionais desencadeados a partir de dentro.

  10. Perante todos os perigos e fantasmas que foram agitados a propósito do voto no Syriza, a decisão do povo grego é obviamente soberana. E, se essa for no sentido de dar a vitória a Tsipras é mais do que compreensível. Anos e anos de um sistema político corrupto e imoral, liderado em alternativa pelo PASOK e pela NOVA DEMOCRACIA dificilmente poderiam, na verdade, ter levado a outra coisa. 

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