Dez livros para comprar na Feira
Livro nove: Ao Largo da Vida, de Rainer Maria Rilke
Tradução de Isabel Castro Silva
Edição Ítaca, 2017
117 páginas
O que mais impressiona nesta obra de estreia em prosa do grande escritor de expressão germânica nascido no Império Austro-Húngaro é a plena maturidade do seu conteúdo, dado à estampa em 1898, quando o autor mal completara 22 anos. Ao Largo da Vida – pequeno volume de “novelas e esboços” em que apenas um dos textos se poderá considerar novela e os restantes são contos, aliás magníficos – propicia-nos personagens confrontadas com a dor, a doença, o luto, a velhice e a morte. Temas que se esperariam de um livro redigido por alguém com uma idade bastante mais avançada.
Seria talvez a sua sensibilidade poética a falar por ele: Rainer Maria Rilke foi acima de tudo um poeta, mesmo quando escrevia em prosa, como esta obra até agora inédita no mercado editorial português bem demonstra. De resto, a tradução merece elogio por respeitar o mais possível a musicalidade da escrita – sempre complexa, por mais simples que pareça.
Diz-se que o poeta não só sente: também pressente. Pressentiria o ainda tão jovem Rilke – falecido em 1926, com apenas 51 anos – que metade da sua vida estava já quase cumprida no momento em que escrevia estes “esboços” marcados por uma mágoa tão serena e luminosa?
A pergunta faz sentido ao lermos Festa em Família, onde somos introduzidos numa velha casa onde quase todas as cadeiras estão associadas a um óbito. Ou ao conhecermos a amargura de uma mãe servindo talvez a última chávena de chá ao filho acamado devido a uma grave doença cardíaca. Ou ao acompanharmos a revolta interior de um jovem de pernas paralisadas que passa os seus dias a talhar imagens da Virgem Maria com o rosto de uma inacessível mulher terrena. Ou ao lermos esse conto simplesmente intitulado O Menino Jesus que é uma das mais ternas, tristes e tocantes histórias de Natal que jamais alguém escreveu.
A melhor homenagem que pode prestar-se a este livro é considerá-lo uma via de comunicação directa com a poesia de Rilke. Aliás podiam servir-lhe de epígrafe estes versos dele que Jorge de Sena tão bem transpôs para português: “Que fazes tu, poeta? Diz! — Eu canto. / Mas o mortal e monstruoso espanto / Como o suportas? — Canto. / E o que nome não tem, tu podes tanto / Que o possas nomear, poeta? — Canto.”