Dez livros para comprar na Feira
Livro seis: O Tesouro, de Selma Lagerlöf
Tradução de Liliete Martins
Edição Cavalo de Ferro, 2017
98 páginas
Na arte literária, como em quase tudo o resto, o tamanho não conta. Provas não faltam. E eis mais uma: esta belíssima saga nórdica escrita pela sueca Selma Lagerlöf, primeira mulher a ser galardoada com o Nobel da Literatura (em 1909, nono ano da distribuição do prémio).
Em menos de cem páginas, aqui se condensam muitos dos tema centrais da melhor literatura de todos os tempos: o amor, a traição, a vingança, o perdão e a morte. A escritora - desde sempre influenciada pelas lendas medievais do seu país, povoadas por espectros, duendes e almas penadas - transporta-nos à Suécia ocidental do século XVI, num pedaço de território costeiro confinando com a Noruega, onde os dias de sol são escassos e a água facilmente se transforma em gelo.
Aqui se desenrola uma espécie de drama shakesperiano em torno de um tesouro amaldiçoado, que condena os seus sucessivos detentores a mortes sangrentas, de que nos vamos apercebendo desde as linhas iniciais através de uma série de aforismos e presságios. O mérito de Lagerlöf (1858-1940) é envolver-nos desde o início como testemunhas privilegiadas do drama e das suas ramificações sobrenaturais - como se assistíssemos a um filme de Carl Dreyer ou Ingmar Bergman - conscientes do carácter mitológico do enredo mas sem nunca nada nos soar a moralismo gratuito.
"É um grande pecado abater uma árvore no rebentar da folha, quando ela está tão cheia de força e não pode morrer. É terrível para um morto quando não consegue ter paz na sua sepultura. Os que estão mortos já não podem esperar nada de bom, não podem ser contemplados pelo amor nem pela felicidade. O único bem que ainda podem almejar é o de poderem descansar em paz serena", escreve aqui, pela boca de uma das personagens centrais, a autora de obras tão marcantes como A Saga de Gösta Berlings (1891) e A Viagem Maravilhosa de Nils Holgersson Através da Suécia (1906-1907).
O Tesouro fala-nos do bem e do mal, tomando partido. Nada aparentemente mais fora de moda para os cultores do relativismo moral. Mas nada mais eterno: este dualismo originou mais de mil anos de excelente literatura.