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Delito de Opinião

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 13.06.16

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Livro dez: Bairro Ocidental

Edição D. Quixote, 2015

55 páginas

 

Acompanho com interesse o que se vai escrevendo de poesia em Portugal. Não faltam vozes talentosas, que dominam bem a carpintaria do idioma e exprimem uma paleta larga de emoções poéticas – umas vezes num imediatismo espontâneo quase comovente, noutras vezes num minucioso rendilhado nunca isento de erudição.

Mas não cesso de me espantar com a persistente ausência nesta poesia de um olhar disponível para o mundo contemporâneo. Aqui não me refiro aos chamados versos de intervenção, que confundiam arte literária com propaganda política, mas ao escritor enquanto sujeito de uma oração que exige verbo e complemento directo. A produção poética actual transborda de sujeitos em transe solipsista. Como se esbracejassem no vácuo. Como se a realidade circundante pudesse conspurcar o círculo imaculado mas restrito do seu imaginário.

 

Por vezes penso que falta um Manuel Alegre pronto a sacudir o marasmo desta poesia tão incapaz de interpretar os sinais do vento como de captar os ruídos da rua. Mas não falta. Porque Alegre, com  80 anos enérgicos recém-completados, continua a escrever e a publicar poesia. O seu mais recente título, Bairro Ocidental, estabelece aliás uma curiosa rima interna com os dois iniciais, Praça da Canção e O Canto e as Armas.

Não há amores como os primeiros: meio século depois, o poeta revisita um território afectivo que tão bem conhece. É um território partilhado, a que ele chama pátria sem pedir licença aos patrulheiros de turno.

Indigna-se em ‘Variações sobre o desconcerto do mundo’: “Está tudo inverso: o longe o perto o certo o incerto / no grande desconcerto tudo aberto / direito avesso um verso onde tropeço / e um som disperso um tom onde me perco / horizonte encoberto.”

Magoa-o a ‘Hora inversa’: “Como chegar onde ninguém responde? / Sombra de sombra um rosto vem e foge / não há tempo no tempo não há onde. / Harpas do vento trazem-me o arpejo / de um desejo a morrer na praia extrema.”

Sente-se habitante de um amargo ‘Bairro Ocidental’: “Na Eurolândia tudo é permitido / bruxela-se um país berlina-se outro / um dia ao acordares estás eurodido / e o teu país efemizado é só um couto.”

E canta a ‘Libertação’: “Contra as palavras que não são de aqui / contra o cifrão contra a agiotagem / contra o défice nosso de cada dia.”

 

É uma poesia que se intromete no quotidiano e se compromete com a cidadania sem se submeter a cartilhas de feira ideológica: “A História entrou pelas meias pelas botas / entrou até pelo fato camuflado. / Entrou na pele e ficou lá. Como ser / neutro inespacial intransitivo?”

O melhor Alegre de volta. O melhor Alegre que nunca deixou de estar no local de sempre.

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