Dez livros para comprar na Feira
Livro nove: Entrevistas da Paris Review (vol. 1)
Edição Tinta da China, 2010
343 páginas
William Faulkner admitindo que lê os policiais de Simenon “porque, de certo modo, ele lembra-me Tchécov”. Graham Greene confessando que Teresa Desqueyroux, de Mauriac, foi um romance que o marcou “intimamente”. Jorge Luis Borges criticando a escrita "empolada" de Shakespeare.
A literatura vista por escritores: eis o fascínio desta fascinante recolha de entrevistas da quase mítica – mas bem real, pois continua a publicar-se – Paris Review, fundada em 1953 por um grupo de jovens norte-americanos residentes na capital francesa. Cruzando jornalismo com arte literária, desvendou muitas facetas ocultas de alguns dos mais extraordinários poetas, ensaístas e romancistas de todos os tempos. Proeza que outros haviam tentado sem conseguir – pelo menos numa extensão tão vasta.
Só neste volume desfilam – além dos já mencionados – Ernest Hemingway, E. M. Forster, Truman Capote, Lawrence Durrell, Boris Pasternak, Saul Bellow e Jack Kerouac. Uma segunda antologia, de 2014, inclui entrevistas a Ezra Pound, Eliot, Iris Murdoch, Nabokov, Philip Roth, Primo Levi, Jan Morris, Céline, E. Bishop, Joan Didion, Harold Pinter e Marguerite Yourcenar.
Influências, gostos, motivações – de tudo um pouco registam estas conversas, tão sugestivas como um auto-retrato pois “revelam do seu autor até aquilo que ele não supõe poder estar a dizer”, como salienta no prefácio o jornalista Carlos Vaz Marques, organizador e tradutor da obra.
De facto, dificilmente haverá entrevistas tão reveladoras. Ao ponto de Faulkner, em 1956, admitir que não prescinde de “um pouco de uísque” para escrever. E de Kerouac tomar uma anfetamina no encontro com os repórteres-escritores, Ted Berrigan e Adam Saroyan, em 1968. Morreria um ano depois.
Insuperável é o diálogo com Hemingway, conduzido por George Plimpton, que foi editor-chefe da Paris Review durante meio século. Desafio difícil, como bem se percebe pelo rumo da conversa, pontuada por observações sarcásticas do escritor: o autor de Por Quem os Sinos Dobram detestava falar da sua obra e mantinha os jornalistas à distância. Mas também ele acaba aqui por revelar o que não revelou a mais ninguém.
Escutem-no: “O Velho e o Mar podia ter mais de mil páginas e ter lá dentro todas as personagens da aldeia e todos os modos pelos quais elas ganhavam a vida, como tinham nascido, sido criadas, tido filhos, etc. Há outros escritores que fazem isso de uma forma extraordinária. Ao escrever, somos limitados por aquilo que já foi feito de um modo satisfatório. Por isso tentei descobrir uma forma de fazer algo diferente. (…) A sorte foi eu ter um homem bom e um bom rapaz e o facto de ultimamente os escritores se terem esquecido de que isso ainda existe. Além do mais, o oceano é tão digno da literatura como um homem.”
Uma entrevista é igualmente digna da literatura. Como fica comprovado.