Dez livros para comprar na Feira
Livro oito: Todos os Fogos o Fogo, de Julio Cortázar
Edição Cavalo de Ferro, 2015
155 páginas
O conto, esse género tão mal amado entre nós, tem vindo a ser cultivado por escritores de excepcional talento. Julio Cortázar (1914-1984) é um deles. Em raros livros do século XX a arte de Maupassant e Tchécov ascendeu tão alto como nesta obra publicada originalmente em 1966, durante o longo exílio parisiense deste argentino que era afinal cidadão do mundo.
Não admira que as suas histórias tenham fascinado tantos cineastas - Antonioni, Godard, Chabrol, Comencini. Pela linguagem, tão original e apelativa. Pela capacidade de efabulação, cruzando banalíssimos quadros do quotidiano com erupções da fantasia mais delirante. Pelo imaginário, que salta consecutivas barreiras cronológicas. Por uma indefinível sensação de estranheza, desamparo e angústia que assalta tantas das suas personagens e se apodera delas, conduzindo-as aos mais inesperados desfechos.
Todos os Fogos o Fogo abre com uma obra-prima absoluta do conto – A Auto-estrada do Sul, gigantesco engarrafamento de trânsito que funciona afinal como metáfora das modernas sociedades de consumo, afogadas em consumismo e depressão. Jean-Luc Godard adoptou-o para cinema, intitulando-o Week-End, tal como Michelangelo Antonioni fizera com o enigmático Blow Up, inserido em As Armas Secretas, livro de 1959.
Está longe de ser a única história com sopro de génio neste volume, bem traduzido do castelhano original por Alberto Simões. Acontece também com A Saúde dos Doentes, brilhante comédia de enganos em família, A Menina Cora, relato polifónico centrado no internamento hospitalar de um adolescente, ou A Ilha ao Meio-Dia, sobre a aventura que nos resta numa era em que todos os horizontes já foram desvendados.
Num conto, ao contrário do que sucede num romance, o tempo joga contra o escritor. Intensidade e tensão são ingredientes fundamentais: Cortázar domina-os, com inegável mestria. E nós, leitores, só temos a ganhar com isso.