Dez livros para comprar na Feira
Livro nove: Visitar Amigos e Outros Contos, de Luísa Costa Gomes
Edição D. Quixote, 2024
227 páginas
É, sem favor, um dos melhores livros de contos surgidos em Portugal nos últimos anos. Não por falta de concorrência: temos excelentes praticantes deste género literário, felizmente ressurgido após anos de incompreensível queda na hierarquia do gosto dominante, sempre tão volúvel.
Luísa Costa Gomes tem vasta experiência nesta área, iniciada como autora em 1981, ao publicar Treze Contos de Sobressalto. Distinguiu-se como directora de Ficções, revista especializada na divulgação de contos. De temática variada, sem regras nem dogmas, excepto a adesão ao formato curto.
Visitar Amigos e Outros Contos reúne 13 histórias de âmbito muito diverso com linguagem camaleónica, apropriada a cada relato ficcional, designadamente à época e ao local em que se situam. Há inegável experiência oficinal neste acto de moldar palavras e inseri-las com exactidão no contexto adequado, em espaço estreito. Pode parecer simples, mas poucos conseguem cultivar esta técnica com tanto esmero.
Veredicto sem hesitação: alguns destes contos justificarão lugar cativo em futuras antologias do género. Logo o primeiro, “A Ditadura do Proletariado”, prodigiosa alegoria de revoluções falhadas a propósito de banais obras numa vivenda. “O Menino-Prodígio”, voo rasante sobre a atmosfera social e política nos anos crepusculares do chamado Estado Novo. “O Bem de Todos”, assumido pastiche do imaginário neo-realista. “As Estrelas”, tocante parábola sobre a culpa e o perdão. “Impaciência”, sobre os labirintos da solidão neste mundo juncado de medos apocalípticos.
Sem mutilar consoantes, a escritora recorre alternadamente a códigos linguísticos hoje em voga ou a chavões de outras eras, recuperados com intenção precisa. E subtil vénia literária a autores tão diversos como Agustina Bessa-Luís na criação de certas atmosferas femininas (“Cabeça Falante”; “o Lenço de Seda Italiano”), Mário de Carvalho na proliferação de neologismos e na ironia por vezes cáustica ou José Cardoso Pires na música da escrita (patente em “Rotas”, diálogo telefónico que encerra o livro, subtil evocação de “Uma Simples Flor nos Teus Cabelos Claros”, obra-prima do conto português).
Somados aos restantes méritos, detecta-se aqui o mais louvável de todos: a paixão de narrar histórias.
Repare-se no início de “Património”: «Na Primavera dos seus quarenta e um anos, saindo de um duche frio, Félix teve a consciência de que nunca por nunca viria a ser rico.» Ou nas primeiras linhas d’ “O Menino-Prodígio”: «Ele vivia com a mãe e uma criada velha e escrevia livro atrás de livro numa salinha com vista para um jardim chuvoso conhecido como “o escritório do menino”. (…) Era sobretudo romance histórico, mas não se acanhava da poesia, drama, ficção científica. Nunca lhe veio à cabeça publicar. Ninguém o lia, só ele, com um prazer a roçar o criminoso.»
Assim se dignifica uma nobre arte: a de seduzir o leitor. Ao contrário do protagonista da sua história, repassada de sarcasmo, Luísa Costa Gomes não escreve para a gaveta. Todos ganhamos com isso.
Sugestão 9 de 2016:
Entrevistas da Paris Review, (Tinta da China)
Sugestão 9 de 2017:
Ao Largo da Vida, de Rainer Maria Rilke (Ítaca)
Sugestão 9 de 2018:
Só Acontece aos Outros, de Maria Antónia Palla (Sibila)
Sugestão 9 de 2019:
La Llamada de la Tribu, de Mario Vargas Llosa (Alfaguara)
Sugestão 9 de 2020:
Estocolmo, de Sérgio Godinho (Quetzal)
Sugestão 9 de 2021:
Woke - Um Guia para a Justiça Social, de Titania McGrath (Guerra & Paz)
Sugestão 9 de 2022:
Carta à Geração que Vai Mudar Tudo, de Raphaël Glucksmann (Guerra & Paz)
Sugestão 9 de 2023:
A Vida por Escrito, de Ruy Castro (Tinta da China)
Sugestão 9 de 2024:
Por Amor à Língua e à Literatura, de Manuel Monteiro (Objectiva)