Dez livros para comprar na Feira
Livro oito: Stoner, de John Williams
Edição D. Quixote, 2023 (9.ª edição)
263 páginas
Pode um romance sobre um obscuro professor numa universidade de província, situada nos confins dos Estados Unidos, tocar-nos ao ponto de vislumbrarmos nele um fascinante painel sobre as diversas estações da vida, a ilusão do sucesso, a fragilidade do amor e o peso quase insuportável da solidão?
Resposta positiva. De tudo isto fala Stoner, terceira e penúltima obra de ficção que nos legou John Edward Williams (1922-1994), docente universitário quase tão discreto como o William Stoner deste livro, publicado inicialmente em 1965. Dele pouco se ouviu falar na altura: vendeu apenas dois mil exemplares e recebeu uma curta resenha na revista The New Yorker. Depois eclipsou-se por quatro décadas.
Viria a ser resgatado graças a um artigo elogioso do escritor irlandês Colum McCann no Guardian em 2006, definindo-o deste modo lapidar: «É um dos grandes romances esquecidos do século passado.» Depois por iniciativa da novelista parisiense Anna Gavalda, que em 2011 traduziu Stoner para francês. Produziu-se então um efeito de contágio que Williams já não pôde testemunhar: tornou-se celebridade póstuma.
«Romance formidável, de uma latejante tristeza», adjectivou Julian Barnes. «Magnificamente escrito, em prosa simples mas brilhante», realçou Ruth Rendell. «Não percebo como é que um romance tão bom passou despercebido tanto tempo», interrogou-se Ian McEwan. «Quase perfeito», sentenciou Bret Easton Ellis.
Ninguém exagera. E, no entanto, dir-se-ia que toda a informação relevante se esgota nas onze linhas do parágrafo inicial, sinopse dos dados biográficos de Stoner, nascido em 1891 e falecido em 1956 após uma carreira dedicada em exclusivo à universidade local, onde leccionou literatura inglesa. De permeio houve duas guerras mundiais, mas delas só lhe chegaram ecos distantes. Caiu a bolsa em 1929, o país afundou-se na depressão, mas passou-lhe quase ao lado.
Emoções fortes? Nem por isso. «Era como se, aos poucos, a sua mente se esvaziasse de tudo o que sabia e a força se lhe esvaísse da vontade. Por vezes, sentia-se como uma espécie de vegetal e ansiava por qualquer coisa – nem que fosse a dor – que o trespassasse, que o insuflasse de vida» (p. 164, tradução de Tânia Ganho).
Um narrador omnisciente, senhor absoluto do tempo e do espaço, conduz-nos pela juventude, maturidade e velhice do protagonista, filho único de um casal de humildes camponeses do Missouri. Estuda, trabalha, constitui família. Um homem como qualquer outro, envolto na banalidade do quotidiano.
Quase sem rasto de alegria exuberante, quase sem vestígio de tristeza insuperável. No próprio casamento: «Tinham chegado àquele ponto da sua vida juntos em que raramente falavam de si próprios ou um do outro, para não quebrarem o delicado equilíbrio que tornava essa vida possível» (p. 110).
A escrita linear, a clareza discursiva, os diálogos sincopados e a simplicidade do enredo tornam-se aqui, no entanto, prodigiosos ingredientes ficcionais. Chaves que nos ajudam a decifrar a natureza humana.
Pequeno mundo singelo na aparência. Mas parcela ínfima em comparação com o que permanece soterrado, fundamento e raiz de tortuosos comportamentos e desvairadas motivações. Como na vida, afinal. Há nestas personagens movidas por uma pulsão determinista algo comum a qualquer de nós, em linhas e entrelinhas. E é quanto basta para que nos interroguemos sobre tudo isto muito depois de a leitura deste livro terminar.
Sugestão 8 de 2016:
Todos os Fogos o Fogo, de Julio Cortázar (Cavalo de Ferro)
Sugestão 8 de 2017:
Prantos, Amores e Outros Desvarios, de Teolinda Gersão (Porto Editora)
Sugestão 8 de 2018:
Quem Meteu a Mão na Caixa, de Helena Garrido (Contraponto)
Sugestão 8 de 2019:
Portugal Contemporâneo, de Oliveira Martins (Bookbuilders)
Sugestão 8 de 2020:
A Ideologia Afrocentrista à Conquista da História, de François-Xavier Fauvelle (Guerra & Paz)
Sugestão 8 de 2021:
Ernestina, de J. Rentes de Carvalho (Quetzal)
Sugestão 8 de 2022:
Luanda, Lisboa, Paraíso, de Djaimilia Pereira de Almeida (Companhia das Letras)
Sugestão 8 de 2023:
A Biblioteca de Estaline, de Geoffrey Roberts (Zigurate)
Sugestão 8 de 2024:
A Próxima Guerra Civil, de Stephen Marche (Zigurate)