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Delito de Opinião

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 17.06.25

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Livro seis: Se Eu Quisesse, Enlouquecia, de João Pedro George

Edição Contraponto, 2025

895 páginas

 

Espécie de dois-em-um: extensa biografia por um lado, ambicioso ensaio analítico da poesia de Herberto Helder por outro. Tudo mesclado em 50 desequilibrados capítulos – consequência de querer dar o passo maior do que a perna. Haveria vantagem em separar os dois segmentos. E eliminar óbvias redundâncias em edições posteriores deste Se Eu Quisesse, Enlouquecia (verso de Herberto). Exemplo: quando chegamos à página 40 já lemos cinco vezes que ele nasceu a 23 de Novembro de 1930. Não havia necessidade.

Com tais ressalvas, cumpre sublinhar: este livro capta a atenção até daqueles que nunca se interessaram pela obra de um escritor que para alguns - com manifesto exagero - é, a par de Fernando Pessoa, o melhor poeta de Portugal no século XX.

Desde logo, há aqui inegável valor documental. Em três marcos assinaláveis. Primeiro: a infância e a adolescência do madeirense Herberto Helder de Oliveira na ilha-natal a que só voltaria uma vez, de fugida, após trocar em definitivo o Funchal por Lisboa. Segundo: a sua passagem por Luanda em 1971-1972, única experiência africana (e extra-europeia) na sua vida largamente sedentária. Terceiro: a minuciosa descrição da atmosfera intelectual de Lisboa, entre os anos 50 e 90, com as suas invejas, as suas quezílias, os seus grupinhos, o seu estendal de pequenas e médias mediocridades.

Enfim, a vida de Herberto Helder daria um filme. Por enquanto, deu um livro enorme. Só isto já justificaria a leitura desta descomunal biografia que levou anos a concretizar, vencendo resistências de toda a ordem. Começando pela do biografado, que foi ocultando aspectos essenciais da sua vida privada, o que contribuiu para a aura de que usufruiu a partir de certa altura. E que ele próprio reforçou, recorrendo a requintadas artimanhas de marketing literário: impôs tiragens reduzidas, com o anúncio prévio de que não haveria reedições e até a proibição da venda de mais de um exemplar por cliente. Isto gerou preços astronómicos das suas obras no mercado de revenda, aumentando o valor de troca e suscitando o fenómeno do «fetichismo da primeira edição». Servidões (2013) chegou aos 460 euros. O raríssimo Kodak (1969) ultrapassou tudo, oscilando entre 900 e 2800 euros. «Os livros de Herberto Helder entravam assim numa bolsa de valores que nada tem a ver com as leis da consagração de um escritor.»

Recusou prémios - incluindo o Pessoa, do Expresso, em 1994. Negava entrevistas. Impedia que o fotografassem e evitava repastos com políticos. Mário Soares, por exemplo, queria muito conhecê-lo. Mas não chegou a ser bem-sucedido nos reiterados convites que lhe fez para almoçarem juntos.

No fundo, era alguém que muitos descreviam nesta síntese: «Era um bicho de concha, taciturno e tímido, esquivo nas suas aparições. De uma reserva quase agressiva.» Outros observam que «a sua poesia é uma luta furiosa contra a morte».

Também envolto em numerosas contradições. Proclamando feroz independência intelectual, aceitou dois «subsídios de mérito cultural» atribuídos por diferentes governos e uma avença vitalícia da Fundação Gulbenkian. Vigiado pela PIDE, assinou documentos em que exprimia adesão ao regime salazarista. Em 1980, inscreveu-se no Partido Comunista mas afastou-se sem demora. O editor Aníbal Fernandes, que o conheceu muito bem, faz esta síntese das suas ideias políticas: «O Herberto, além de ser uma pessoa perfeitamente instável nesse tipo de coisas, nunca foi uma pessoa de esquerda. Politicamente, o Herberto era de uma direita anarquista, se é que essas duas coisas se podem juntar.»

João Pedro George, durante anos, leu centenas de cartas escritas pelo poeta a várias pessoas com quem manteve intimidade. Falou com largas dezenas de outras, que lhe prestaram preciosos depoimentos – começando pela viúva, Olga Lima, cuja vida também daria um filme. Assim abriu caminho. Esta biografia torna-se desde já obra de referência a partir da qual outras gravitarão.

 

Sugestão 6 de 2016:

Axilas e Outras Histórias Indecorosas, de Rubem Fonseca (Sextante)

Sugestão 6 de 2017:

O Tesouro, de Selma Lagerlöf (Cavalo de Ferro)

Sugestão 6 de 2018:

Quem Disser o Contrário é Porque Tem Razão, de Mário de Carvalho (Porto Editora)

Sugestão 6 de 2019:

Como Ser um Conservador, de Roger Scruton (Guerra & Paz)

Sugestão 6 de 2020:

Fósforos e Metal Sobre Imitação de Ser Humanode Filipa Leal (Assírio & Alvim)

Sugestão 6 de 2021:

Uma Longa Viagem com Vasco Pulido Valente, de João Céu e Silva (Contraponto)

Sugestão 6 de 2022:

O Barulho das Coisas ao Cair, de Juan Gabriel Vásquez (Alfaguara)

Sugestão 6 de 2023:

Professor Unrat, de Henrich Mann (E-primatur)

Sugestão 6 de 2024:

Canção de Rolando (E-primatur)

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