Dez livros para comprar na Feira
Livro três: A Tradução do Mundo, de Juan Gabriel Vásquez
Edição Alfaguara, 2024
149 páginas
Livro que se recomenda a todos os apaixonados pela literatura. Escrito por um deles: o romancista Juan Gabriel Vásquez, autor de O Barulho das Coisas ao Cair, uma das melhores obras de ficção surgidas neste primeiro quartel do século XXI. Prosa em carne viva, dissecando com desassombro a tragédia do terrorismo ligado ao narcotráfico, que paralisou o Estado e estilhaçou a sociedade na Colômbia, seu país natal.
Passou com distinção no teste do romance, género que Balzac dizia ser «a história privada das nações». Superou as fasquias mais exigentes também no conto - ainda tão menosprezado por certas bempensâncias, obecadas em medir com fita métrica a qualidade da ficção. O seu talento ficou evidente em Canções Para o Incêndio: nada a ver com o lirismo fantasioso e algo ingénuo inscrito no realismo mágico, que teve outro colombiano - Gabriel García Márquez - como cultor supremo. Nestes contos, tal como no romance que lhe deu fama, Vásquez alude à violência inscrita num quotidiano de aparente normalidade e à culpa que lhe está associada.
A Tradução do Mundo resulta de um ciclo de conferências que proferiu a convite da Universidade de Oxford sobre a ficção como espelho da vida e bisturi da sociedade. Destacando a perenidade do romance, que sobreviveu a mil sentenças de execução proferidas por gurus de cenáculos académicos que se gabam de ter lido tudo e já não se surpreendem com nada. Proclamou-se o seu óbito no início dos anos 60, coincidindo com as mortes consecutivas de Hemingway e Faulkner. Inscreveu-se o seu precipitado epitáfio quando surgiu o nouveau roman que sepultava personagens, enredos, ideias, verosimilhança - prestando tributo ao vácuo, abrindo alas à ilegibilidade.
Mas a literatura tem múltiplas vidas. Mudam os séculos, sucedem-se as gerações, alternam-se vagas doutrinárias - e ela resiste, contra ventos e marés. Encontramos aqui pistas para decifrar o enigma. Eis uma: «A ficção existe porque as nossas verdades são diversas e porque há forças que limitam as nossas liberdades; dito de outro modo, a ficção existe porque não aceitamos de bom grado que a vida humana tenha limites. É talvez por isso que continuamos a precisar dela: por pura rebeldia.»
Juan Gabriel Vásquez conduz o leitor numa fascinante digressão por obras-primas da literatura mundial: Em Busca do Tempo Perdido, Guerra e Paz, Memórias de Adriano, Cem Anos de Solidão, Conversa na Catedral, O Coração das Trevas, Lord Jim, O Bom Soldado, Beloved. Partilhando sem hesitar algumas das suas paixões literárias. «Tornamo-nos homens (ou mulheres) enquanto lemos - em busca de algo similar, temos, pois, recorrido à ficção ao longo dos séculos», conclui. Impossível não nos sentirmos contagiados.
Sugestão 3 de 2016:
Política, de David Runciman (Objectiva)
Sugestão 3 de 2017:
A Rosa do Povo, de Carlos Drummond de Andrade (Companhia das Letras)
Sugestão 3 de 2018:
Cebola Crua com Sal e Broa, de Miguel Sousa Tavares (Clube do Autor)
Sugestão 3 de 2019:
Lá Fora, de Pedro Mexia (Tinta da China)
Sugestão 3 de 2020:
ABC da Tradução, de Marco Neves (Guerra & Paz)
Sugestão 3 de 2021:
Intervenções, de Michel Houellebecq (Alfaguara)
Sugestão 3 de 2022:
O Meu Irmão, de Afonso Reis Cabral (Leya)
Sugestão 3 de 2023:
Malina, de Ingeborg Bachmann (Antígona)
Sugestão 4 de 2024:
Memórias Minhas, de Manuel Alegre (D. Quixote)