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Delito de Opinião

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 16.06.24

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Livro dez: O Príncipe da Democracia, de Nuno Gonçalo Poças

Edição D. Quixote, 2024

462 páginas

 

À medida que o tempo passa, o nome de Francisco Lucas Pires (1944-1998) vai ficando cada vez mais esquecido. E, no entanto, foi um dos políticos mais brilhantes dos dois decénios iniciais do regime democrático. O primeiro que teve o desassombro de se dizer de direita, primeiro, e de se proclamar liberal, depois. Etiquetas que ainda hoje, para algumas almas penadas que pululam nas pantalhas, fazem soar campainhas de alarme: soam a «fascismo» e «extrema-direita». Quem não viveu esses tempos de geometria deturpada, quando Diogo Freitas do Amaral era apontado como «o homem mais à direita de Portugal» (título de um célebre editorial de Artur Portela Filho), nem imagina como andava tanta coisa às avessas. Começando pelo fundador do CDS, que se dizia «rigorosamente ao centro» e acabou a carreira política como ministro de José Sócrates e a partilhar palcos de comício com Francisco Louçã.

Nuno Gonçalo Poças escreveu esta biografia de Lucas Pires pelo motivo mais elementar: não haver nenhuma. Fez bem em colmatar esta lacuna. Nascido em Coimbra, onde se licenciou em Direito e se especializou em Ciências Jurídico-Políticas, adquirindo justa reputação como constitucionalista, Lucas Pires foi ministro, deputado na Assembleia da República e no Parlamento Europeu, conselheiro de Estado, presidente de um dos quatro partidos históricos da democracia portuguesa.

Deu aulas no ensino universitário a largas centenas de alunos (tive o privilégio de ser um deles), revelando-se mestre na pedagogia e na arte da oratória política. Incomparável criador de metáforas contundentes mas sem nunca humilhar um adversário. Com irrepreeensível fleuma britânica, muito distante da berraria incendiária que alastra dos extremos para contaminar o centro.

Pareceu sempre um homem à frente do seu tempo: esta longa biografia reforça tal noção entre aqueles que o conhecemos. Quando ainda meio mundo suspirava de nostalgia pelo «Portugal africano», já ele olhava para a Europa. Quando juravam que a cultura era indissociável da esquerda, ele revelou-se o primeiro e mais brilhante ministro desta pasta, entre 1981 e 1983. Quando quiseram impor o socialismo como via de sentido único para o rumo pós-revolucionário, ele advertiu que nos sobrava peso do Estado e nos faltava crença nas virtudes da sociedade - desequilíbrio que pagávamos em défice de prosperidade e desenvolvimento. Então em Portugal «vivia-se sob quase permanente assistência financeira, em perpétuo estado de austeridade, inflação, dificuldades, absentismo e corrupção».

Lucas Pires era maior do que o CDS, partido em que esteve filiado de 1976 a 1991, e que liderou entre 1983 e 1985. Quando saiu, ficou numa espécie de terra de ninguém. Reservaram-lhe só um discreto quarto lugar na lista europeia do PSD, em 1994, como independente. Noutro contexto, poderia ter sido presidente do Parlamento Europeu, função que nenhum português desempenhou. A incógnita jamais se dissipará: morreu subitamente, demasiado cedo, com apenas 53 anos

Não deixou sucessor: faz parte da sina de homens raros como ele. Isto também ajuda a explicar que a sua primeira biografia surja só 26 anos após a sua morte. Nuno Gonçalo Poças está de parabéns por ter posto fim a tão lamentável omissão editorial: enquanto figuras menores da política das três últimas décadas do século XX são lembradas a propósito de quase nada, Lucas Pires vinha sendo esquecido a respeito de quase tudo. Até agora.

 

Sugestão 10 de 2016:

Bairro Ocidental, de Manuel Alegre (D. Quixote)

Sugestão 10 de 2017:

Santos e Milagres, de Alexandre Borges (Casa das Letras)

Sugestão 10 de 2018:

Sonhos Públicos, de Joana Amaral Dias (D. Quixote)

Sugestão 10 de 2020:

A Minha Intenção, de Czeslaw Milosz (Cavalo de Ferro)

Sugestão 10 de 2021:

O Retorno, de Dulce Maria Cardoso (Tinta da China)

Sugestão 10 de 2022:

De Quase Nada a Quase Rei, de Pedro Sena-Lino (Contraponto)

Sugestão 10 de 2023:

Perseguição, de Jorge de Sena (Assírio & Alvim)

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