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Delito de Opinião

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 14.06.24

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Livro nove: Por Amor à Língua e à Literatura, de Manuel Monteiro

Edição Objectiva, 2024

296 páginas

 

Este livro presta serviço público. Diz ao que vem e cumpre o prometido: é na verdade uma admirável declaração de amor à língua portuguesa, hoje tão maltratada no jornalismo, na escola, na academia, na publicidade e na linguagem de todos os dias. Com a contínua supressão de vocabulário, ameaçando de extinção milhares de palavras. Com a profusão sem freio de erros gramaticais e sintácticos - em jornais, revistas, livros, anúncios, folhetos de supermercado, rodapés de televisão e até no Diário da República. Com o famigerado aborto ortográfico, que aboliu a noção de norma num emaranhado de «duplas grafias» e «facultatividades» à mercê de uma nebulosa «pronúncia culta» que nega qualquer pressuposto científico.

Nesta versão revista e ampliada do livro Por Amor à Língua, publicado em 2018, Manuel Monteiro reforça o combate à banalização do erro e pugna contra a complacência perante tantos atentados ao nosso idioma. Emenda, corrige, esclarece. Nunca em tom de mestre-escola, mas com humor, vivacidade e a contagiante alegria de quem se declara sem rodeios apaixonado pela língua portuguesa.

Não é livro para arrumar em prateleiras destinadas a acumular pó, mas instrumento útil a quem faz do português ferramenta de trabalho e veículo privilegiado de comunicação, partilhado por quase 300 milhões de pessoas no mundo. Levanta o polegar perante «círculo vicioso» (correcto) e baixa-o em «ciclo vicioso». Esclarece que só «quando muito» faz sentido («quanto muito», que alguns papagueiam, é erro crasso). Dissipa a confusão entre «ter de» e «ter que» desta forma lapidar: «Nunca vi um "de" quando deveria estar um "que", ou seja, em caso de dúvida, opte sempre pelo "de", que, garanto-lhe, não errará. O erro é sempre ao contrário.»

Na linha do que já fizera em O Mundo Pelos Olhos da Língua (2022), este escritor e professor que foi revisor profissional enumera várias palavras usadas e abusadas nos contextos mais abstrusos. Como o famigerado verbo «colocar» que parece ter destronado o claro e conciso «pôr». Manuel Monteiro observa: «Coloca-se algo/alguém de lado/de parte/à margem, colocamo-nos na pele de outros, coloca-se a mão/o dedo/qualquer parte do corpo algures, coloca-se o carro na garagem, coloca-se o dinheiro no banco; progressivamente, tudo se coloca.» Até já leu esta frase num título da RTP, atribuída a um sindicalista da polícia: "Era o que faltava não podermos colocar baixa".»

Eis outros vocábulos que alastram como pulgas em dorso de cão vadio: abordagem, arrasar, empatia, inclusão, incontornável, tóxico, privilégio, literalmente, foco, evento, tolerância, fascista. E até filosofia, em expressões ridículas como «a filosofia de jogo do treinador», «a filosofia de vendas», «a filosofia de atendimento ao cliente». Assim «trivializamos e abandalhamos Sócrates, Platão, Aristóteles, Descartes, Kant» e tantos outros.

Merece também aplauso a justa luta do autor contra a despudorada profusão do portinglês, que transforma a nossa língua numa espécie de pátio das traseiras do idioma de Donald Trump. 

«Jornalistas há que escrevem metade das crónicas em português (e que, quando escrevem a metade em português, escrevem a pensar em inglês, seja quanto aos significados, seja quanto à construção sintáctica (...), seja quanto ao decalque de expressões idiomáticas, como "no fim/final do dia" ou "pôr-se nos sapatos dos outros/calçar os sapatos dos outros", quando em português são "no fim de contas/afinal de contas" e "pôr-se no lugar do outro") e a outra metade em inglês, que até nos títulos despejam palavras inglesas quando para as quais há palavras portuguesas de uso corrente.» Lembrei-me logo do Camilo Lourenço com o seu chorrilho de títulos à amaricana: «One Sided Stories»; «Unfit and Unproper»; «Scratch my back, I'll scratch yours».

Amor à língua, sim. Também é fogo que arde sem se ver. Mas lê-se. E não deixa lugar a dúvidas.

 

  Sugestão 9 de 2016:

Entrevistas da Paris Review, (Tinta da China)

Sugestão 9 de 2017:

Ao Largo da Vida, de Rainer Maria Rilke (Ítaca)

Sugestão 9 de 2018:

Só Acontece aos Outros, de Maria Antónia Palla (Sibila)

Sugestão 9 de 2019:

La Llamada de la Tribu, de Mario Vargas Llosa (Alfaguara)

Sugestão 9 de 2020:

Estocolmo, de Sérgio Godinho (Quetzal)

Sugestão 9 de 2021:

Woke - Um Guia para a Justiça Social, de Titania McGrath (Guerra & Paz)

Sugestão 9 de 2022:

Carta à Geração que Vai Mudar Tudo, de Raphaël Glucksmann

Sugestão 9 de 2023:

A Vida por Escrito, de Ruy Castro (Tinta da China)

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