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Delito de Opinião

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 13.06.24

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Livro oito: A Próxima Guerra Civil, de Stephen Marche

Edição Zigurate, 2024

223 páginas

 

No seu primeiro século de vida, os EUA foram dilacerados pela Guerra da Secessão, carnificina que provocou cerca de 750 mil mortos e deixou feridas que demoraram décadas a sarar, fracturando o país muito após o armistício assinado em 1865. Subsistem cicatrizes desse conflito, um dos mais sangrentos do século XIX.

Stephen Marche, escritor e colunista no The New York Times e nas revistas The Atlantic, EsquireNew Yorker, desenvolve uma tese controversa mas sustentada em indícios sólidos: os norte-americanos mergulharam numa nova guerra civil, por enquanto de baixa intensidade, mas que ameaça desencadear uma espiral descontrolada de violência. Qualquer rastilho pode soltar ferozes ódios ideológicos, pondo-os em confronto. A nação una e sólida do passado parece ter passado à história. O maior inimigo de um habitante dos EUA, pense ele o que pensar, é hoje um compatriota seu.

Há vários países dentro do país. No Texas, por exemplo, todos os candidatos presidenciais do Partido Republicano venceram desde 1980: os democratas não ganham ali uma eleição estadual desde 1994. Na Califórnia, pelo contrário, não há um só republicano em cargos executivos estaduais e São Francisco não tem um mayor deste partido desde 1964. Conclusão: «Num certo sentido, ambos os estados já se separaram de metade do país.» Podiam ser independentes? Sim. A Califórnia seria a quinta maior economia do mundo e o Texas teria o décimo PIB à escala planetária.

Marche observa o fenómeno com olhar preocupado mas desapaixonado. Tem, neste caso, a vantagem de ser estrangeiro: é canadiano, da província de Alberta. Evita a contaminação política, procurando analisar o que se passa nos EUA com objectividade. E o que vê deixa-o pessimista. Ao ponto de admitir que o país vizinho entrou já num caminho sem retorno em matéria de confrontação interna, com as paixões ideológicas à solta.

«As forças que despedaçam a América são radicalmente modernas e tão antigas como o próprio país», observa o escritor, autor de três romances, quatro ensaios e diversas reportagens sobre temas contemporâneos. Aqui cruza a ficção com o jornalismo, concebendo cinco cenários calamitosos que podem ocorrer num futuro próximo. Com base no seu profundo conhecimento da realidade norte-americana e nos depoimentos de quase duzentas fontes que foi contactando - incluindo militares de alta patente, agentes dos serviços secretos, ambientalistas, historiadores e politólogos.

Este livro funciona como poderoso sinal de alerta: o pior pode mesmo acontecer num país onde existem mais de 400 milhões de armas em poder dos cidadãos. Os americanos adquirem 12 mil milhões de cartuchos por ano. Só em 2020, 17 milhões de indivíduos compraram ali armamento diverso, alegadamente para defesa pessoal - o maior número de que há registo. O resultado está à vista: «Há 57 vezes mais tiroteios nos Estados Unidos do que no conjunto dos restantes países industralizados.» Com quase 40 mil vítimas mortais em 2017.

Impressionante arsenal bélico, alarmante em qualquer contexto. Pior ainda num país como este: «O ódio, mais do que qualquer outra coisa, é o motor da política nos Estados Unidos.» Os exemplos abundam: «Os adolescentes negros em Baltimore e St. Louis sentem-se sob ocupação policial. Os rancheiros no Texas e no Oregon sentem-se ocupados pelo Governo federal. Cada uma das facções políticas opera como se estivesse cercada: os democratas, pela máquina política republicana; os republicanos, pela demografia, pela imigração, pela cultura popular. Todos querem construir algum tipo de muro.» (Tradução de Ilda Luís.)

Tem tudo para correr mal. E pode correr mesmo. A Próxima Guerra Civil Americana ajuda-nos a abrir ainda mais os olhos. Porque uma constipação séria na América é capaz de provocar uma pneumonia à escala mundial.

 

Sugestão 8 de 2016:

Todos os Fogos o Fogo, de Julio Cortázar (Cavalo de Ferro)

Sugestão 8 de 2017:

Prantos, Amores e Outros Desvarios, de Teolinda Gersão (Porto Editora)

Sugestão 8 de 2018:

Quem Meteu a Mão na Caixa, de Helena Garrido (Contraponto)

Sugestão 8 de 2019:

Portugal Contemporâneo, de Oliveira Martins (Bookbuilders)

Sugestão 8 de 2020:

A Ideologia Afrocentrista à Conquista da História, de François-Xavier Fauvelle (Guerra & Paz)

Sugestão 8 de 2021:

Ernestina, de J. Rentes de Carvalho (Quetzal)

Sugestão 8 de 2022:

Luanda, Lisboa, Paraíso, de Djaimilia Pereira de Almeida (Companhia das Letras)

Sugestão 8 de 2023:

A Biblioteca de Estaline, de Geoffrey Roberts (Zigurate)

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