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Delito de Opinião

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 05.06.24

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Livro cinco: A Porta, de Magda Szabó

Edição Cavalo de Ferro, 2024

237 páginas

 

Originalíssimo romance em torno de um triângulo formado por uma escritora de meia-idade (narradora e evidente alter ego da escritora), a sua idosa empregada doméstica, quase analfabeta, e um cão – animal que partilham em insólita tutela, potenciadora de um conflito larvar.

Há também o marido da escritora, que nunca emerge do plano secundário. E uma casa secreta, com um apartamento que há anos ninguém visita. Uma atmosfera ligeiramente opressiva percorre toda a obra, dando-lhe um toque inconfundível.

Parece simples, mas não é. Porque aqui existem dois níveis de interpretação do texto. O imediato, que narra uma amizade gerada em circunstâncias imprevisíveis, na Hungria comunista ainda com reminiscências do Império Austro-Húngaro. E um outro, mais subtil, que nos permite vislumbrar fragmentos do quotidiano aparentemente banal num país mergulhado no pesadelo totalitário. Não por acaso, A Porta começa e acaba com um sonho.

Aqui se encontram e confrontam Magda – homónima da autora, reforçando a verosímil tese de estarmos perante ficção ancorada em factos reais – e Emerence, a enigmática camponesa que a ajudava nas tarefas domésticas. A mulher vai semeando pérolas de sabedoria, como esta: «O melhor presente que se pode dar a alguém é impedi-lo de sofrer.» E transporta consigo um segredo que há-de ser desvendado. Ainda a tempo para o leitor, tarde de mais para ela.

Esta dupla chave de leitura valeu aplausos no estrangeiro a Magda Szabó (1917-2007), poetisa e ficcionista que em 1949 foi declarada «inimiga do Estado» e condenada à lei do silêncio no seu próprio país antes de obter o merecido reconhecimento público após a queda do comunismo, em 1989.

A Porta – com tradução portuguesa de Ernesto Rodrigues – surgiu em 1987, já na fase crepuscular da ditadura. Em 2003, valeu-lhe o prestigiado Prémio Femina, para a melhor obra estrangeira editada nesse ano em França. Galardão que a emparceira com outros nomes de envergadura: J. M. Coetzee, Amos Oz, Julian Barnes, Javier Marías, Antonio Muñoz Molina, Ian McEwan, Joyce Carol Oates – e o nosso Vergílio Ferreira, distinguido em 1990 por Manhã Submersa. Em 2005 viria a ser contemplada também com o Prémio Mondello, de Itália. Este romance «altera o modo como entendemos a nossa própria vida», escreveu Claire Messud no New York Times.

Marco na ficção húngara, A Porta perdura-nos na memória também pelo tocante protagonismo do cão com nome feminino, Viola. Talvez só nos livros de Jack London um animal seja tratado de forma tão sensível, tão carinhosa, tão admirável. Como se também ele convivesse connosco. Como se também ele fizesse parte da nossa família.

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Sugestão 5 de 2016:

Telex de Cuba, de Rachel Kushner (Relógio d' Água)

Sugestão 5 de 2017:

Coração de Cão, de Mikhail Bulgákov (Alêtheia)

Sugestão 5 de 2018:

Octaedro, de Julio Cortázar (Cavalo de Ferro)

Sugestão 5 de 2019:

Júlio de Melo Fogaça, de Adelino Cunha (Desassossego)

Sugestão 5 de 2020:

Por Amor à Língua, de Manuel Monteiro (Objectiva)

Sugestão 5 de 2021:

Gramática Para Todos, de Marco Neves (Guerra & Paz)

Sugestão 5 de 2022:

As Praias de Portugal, de Ramalho Ortigão (Quetzal)

Sugestão 5 de 2023:

Como Perder uma Eleição, de Luís Paixão Martins (Zigurate)

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