Dez livros para comprar na Feira
Livro quatro: Tempestades de Aço, de Ernst Jünger
Edição Guerra & Paz, 2023
279 páginas
A I Guerra Mundial gerou muitas obras literárias de grande fôlego, escritas por quem nelas participou. Como A Oeste Nada de Novo, de Erich Maria Remarque, e O Adeus às Armas, de Ernest Hemingway. Estranhamente, com escasso rasto na nossa literatura, apesar de Portugal ter participado nela, em circunstâncias trágicas: milhares de homens mal equipados, mal armados e mal alimentados foram enviados para a lama da Flandres, onde não tínhamos interesses estratégicos a defender. Lá deixámos mais de dois mil mortos, hoje silenciados. Ninguém fala deles.
Muitos desses compatriotas que serviram de carne para canhão passaram pela experiência que Ernst Jünger (1895-1998) descreve em Tempestades de Aço com abundância de pormenores. Dos mais sórdidos, dos mais trágicos, dos que perduram para sempre na memória de quem sobrevive.
«A cada novo ataque, o inimigo demonstrava ter melhor equipamento; os seus assaltos tornavam-se cada vez mais rápidos e mais devastadores. Todos sabíamos que já não podíamos vencer. Mas resistiríamos.» Dilema existencial: matar ou morrer.
Jünger sabia bem do que falava. Combateu na Frente Ocidental entre Janeiro de 1915 e Agosto de 1918, durante quase todo o conflito que conduziu à derrota alemã. Tenente do exército imperial, foi ferido 14 vezes e agraciado com a mais alta condecoração germânica. Viu morrer amigos, camaradas, oficiais e soldados, irmanados no mesmo juramento de honra, irmanados também na morte, carne e ossos à mercê dos bichos, com a juventude amputada sem remissão.
Não há intuito pacifista neste romance sem ficção, surgido inicialmente em 1920, já o imperador Guilherme II rumara ao exílio. Mas também não se detecta aqui o menor indício de bravata bélica posta ao serviço de duvidosas causas ideológicas: o grande prosador alemão limita-se a relatar o que testemunhou. Guerra dentro da guerra, em que cada um batalhava como podia pela sobrevivência, com a consciência nítida de que a manhã seguinte poderia jamais chegar.
O relato vem na primeira pessoa, em registo autobiográfico. Mas o sujeito deste impressionante relato é colectivo. Desdobrado em dezenas de nomes que regaram com sangue o solo de França e da Flandres. Para conquistar uns palmos de terra devastada na mais absurda de todas as guerras. Que provocou 20 milhões de mortos e outros tantos feridos graves. Além das feridas internas, que não chegaram a ter cura. «O Estado, que nos isenta da responsabilidade, não nos pode libertar da dor; temos de ser nós a lidar com ela. Ela penetra até às profundezas dos nossos sonhos.»
«Aos tombados na guerra»: eis a sucinta e comovente dedicatória do escritor num livro que se tornou clássico instantâneo, traduzido por Maria José Segismundo dos Santos nesta edição portuguesa que resgata Tempestades de Aço do esquecimento no preciso momento em que a Europa volta a estar em guerra. Novo tropel de tempestades ameaça o continente. A paz parece a maior e a mais inalcançável das utopias.
Sugestão 4 de 2016:
Páginas de Melancolia e Contentamento, de António Sousa Homem (Bertrand)
Sugestão 4 de 2017:
Os Filipes, de António Borges Coelho (Caminho)
Sugestão 4 de 2018:
Não Respire, de Pedro Rolo Duarte (Manuscrito)
Sugestão 4 de 2019:
Dois Países, um Sistema, de Rui Ramos e outros (D. Quixote)
Sugestão 4 de 2020:
Que Nós Estamos Aqui, de João Tordo (Fundação Francisco Manuel dos Santos)
Sugestão 4 de 2021:
Uma História da ETA, de Diogo Noivo (E-primatur)
Sugestão 4 de 2022:
História de um Homem Comum, de George Orwell (E-primatur)
Sugestão 4 de 2023:
Biblioteca Pessoal, de Jorge Luis Borges (Quetzal)