Dez livros para comprar na Feira
Livro dez: Perseguição, de Jorge de Sena
Edição Assírio & Alvim, 2021
108 páginas
Com este livro, publicado originalmente quando tinha apenas 22 anos, em 1942, Jorge de Sena estreava-se como escritor, sob a chancela Cadernos de Poesia - assumida afirmação de uma linguagem poética que transcendia os parâmetros da temática "social" então em voga. O jovem Sena e seus companheiros de jornada (Ruy Cinatti, José Blanc de Portugal, Tomás Kim e Sophia de Mello Breyner, com quem manteve sempre afinidades estéticas) defendiam uma poética mais ligada ao Ser do que à sua circunstância.
Já aqui se pressentia uma voz forte e bem timbrada. Num cruzamento algo insólito entre o surrealismo (daí as epígrafes a René Char e André Breton em duas secções do livro, como sublinha Fernando Martinho num arguto prefácio) e as formas clássicas, presentes em vários sonetos, que Sena cultivava com esmero. Em sábia anteposição ao verso livre e despojado de métrica, mais característico da sua obra poética.
Há surpreendente maturidade neste livro de estreia, percorrido por três temas essenciais. O primeiro é a infância, ainda de fresca memória. Em emblemáticos poemas como "Andante" («As crianças nascem com uma coragem que perdem») ou "Felicidade" («A felicidade sentava-se todos os dias no peitoril da janela»), autobiográficos até ao osso. O segundo relaciona-se com o mar, em evidente inspiração na experiência náutica do autor, que viajou no navio-escola Sagres como cadete da Marinha de Guerra. O terceiro - o mais luminoso e memorável - é a relação nunca resolvida com Deus que há-de percorrer toda a obra deste autor maior da língua portuguesa do século XX.
É neste incessante mas angustiado diálogo com o divino que surgem as melhores páginas de Perseguição - em boa hora reeditado, num plano de relançamento individual dos seus títulos de poesia. Em "Caverna", por exemplo: «Tanta coragem, meu Deus, em perguntar por dúvida, / não vão os meus actos, amanhã pensados, / ser resposta, / vertigem à beira de um poço mais estreito que largo, / de Te querer tão puro e longe / isento do meu mundo.» Ou em "Declaração": «Ah eu bem conheço que não somos racionais, / mas sempre somos nós e sermo-nos / é o haver mistérios na alma e no mundo / e o não haver necessidade de mistérios em Ti.»
Preces em permanência que vão ecoando ao longo de gerações.
Sugestão 10 de 2016:
Bairro Ocidental, de Manuel Alegre (D. Quixote)
Sugestão 10 de 2017:
Santos e Milagres, de Alexandre Borges (Casa das Letras)
Sugestão 10 de 2018:
Sonhos Públicos, de Joana Amaral Dias (D. Quixote)
Sugestão 10 de 2020:
A Minha Intenção, de Czeslaw Milosz (Cavalo de Ferro)
Sugestão 10 de 2021:
O Retorno, de Dulce Maria Cardoso (Tinta da China)
Sugestão 10 de 2022:
De Quase Nada a Quase Rei, de Pedro Sena-Lino (Contraponto)