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Delito de Opinião

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 11.06.23

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Livro nove: A Vida por Escrito, de Ruy Castro

Edição Tinta da China, 2023

197 páginas

 

Ruy Castro é hoje, sem favor, o maior biógrafo de língua portuguesa. Autor de obras insuperáveis neste género, como as que consagrou a Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Também autor de um dos mais belos livros já publicados sobre música - Chega da Saudade (1990), declaração de amor aos anos dourados da nossa nova, repassada de saudável nostalgia.

A Vida por Escrito é uma digressão deste veterano jornalista - carioca de gema, morador no Leblon - pelas obras que foi escrevendo em mais de três décadas de intensa produção literária. Aplicando aqui, com mestria, as regars absorvidas desde 1967, quando se iniciou na mais apaixonante profissão do mundo (dizia Camus). Regras que também seguiu ao elaborar os livros. Eis uma das principais: «Para o biógrafo, não há detalhes insignificantes.» Tudo importa.

«Mais do que um manual de como escrever uma biografia, [é] um relato da experiência de alguém que, depois de vinte anos nas principais Redacções de jornais e de revistas do Rio e de São Paulo, e já tendo passado dos quarenta, descobriu um novo mundo a ser explorado pela única ferramenta que o acompanha pela vida: a palavra.» Diz-nos o autor, em jeito de introdução a esta obra, redigida com pena ágil e leve. Com ele, escrever até parece demasiado fácil. Mas as aparências iludem: na escrita, nada é tão complexo como a simplicidade.

Há três regras essenciais: clareza, concisão e verdade. Com algum humor, tanto melhor.

 

Primeiro passo: ler tudo sobre o biografado. «A pesquisa é fundamental.» É preciso falar com muita gente: fontes em primeira mão, de preferência. Levar um guião quase exaustivo de perguntas, não desistir enquanto não estiverem todas preenchidas. Ganhar a confiança do interlocutor, se for necessário começando a falar de outros assuntos antes de chegar ao que mais importa. Confirmar os dados obtidos para não falhar no decisivo teste factual: autêntico trabalho de detective. Com uma certeza: «Sem apuração bem-feita, não há biografia.»

Só então escrever: esta frase chega quando percebemos que «as entrevistas já não rendem grandes surpresas» e decorrem dias sem apurarmos nada de novo sobre o visado. Convém respeitar a cronologia para não baralhar o leitor: a técnica acronológica serve para algum cinema e algum romance, não funciona na biografia.

Outro requisito indispensável: o biógrafo deve ser invisível, funcionando «como uma parede de vidro entre o leitor e o biografado». Ele só narra a história, não faz parte dela.

 

Depois da escrita, um laborioso e minucioso trabalho de revisão. Para eliminar «expressões apenas decorativas, exibicionismos verbais», tudo quanto for redundante ou oco. Algo indispensável no jornalismo, como bem sabe este homem que viveu três anos como correspondente em Portugal, onde assistiu ao 25 de Abril de 1974, e ao longo da carreira na imprensa entrevistou Jorge Luis Borges, James Stewart, Tony Bennett, Quincy Jones, Juscelino Kubitschek e Guimarães Rosa, entre tantos outros.

Segredo? Eis talvez o maior deles: «O biógrafo será capaz de contornar qualquer dificuldade desde que não desista ao primeiro não.» Serve para a biografia, serve também para a vida. Preciosa lição extra que Ruy Castro nos dá.

 

  Sugestão 9 de 2016:

Entrevistas da Paris Review(Tinta da China)

Sugestão 9 de 2017:

Ao Largo da Vida, de Rainer Maria Rilke (Ítaca)

Sugestão 9 de 2018:

Só Acontece aos Outros, de Maria Antónia Palla (Sibila)

Sugestão 9 de 2019:

La Llamada de la Tribu, de Mario Vargas Llosa (Alfaguara)

Sugestão 9 de 2020:

Estocolmo, de Sérgio Godinho (Quetzal)

Sugestão 9 de 2021:

Woke - Um Guia para a Justiça Social, de Titania McGrath (Guerra & Paz)

Sugestão 9 de 2022:

Carta à Geração que Vai Mudar Tudo, de Raphaël Glucksmann

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