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Delito de Opinião

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 05.06.23

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Livro oito: A Biblioteca de Estaline, de Geoffrey Roberts

Edição Zigurate, 2023

379 páginas

 

Ao contrário do que possa imaginar-se, os mais despóticos e demenciais tiranos cultivaram o gosto pelas letras. Foi assim com Adolf Hitler, como ficou documentado em 2008, ao publicar-se A Biblioteca Privada de Hitler, de Timothy W. Ryback (tradução portuguesa da Civilização, 2011), com base no que resta do espólio bibliográfico do ditador, hoje guardado na secção de livros raros do Congresso norte-americano. O verdugo austríaco terá possuído mais de seis mil volumes espalhados por três residências. Costumavam vê-lo acompanhado por livros - desde as trincheiras da I Guerra Mundial até aos dias do apocalipse, já no búnquer da chancelaria em Berlim, como testemunhou a sua principal secretária.

Hitler, como leitor, tinha gostos eclécticos: só não sentia qualquer atracção pela poesia. Apreciava sobretudo biografias, o que se adequava à sua convicção de que a História tem como alicerce a vontade humana, corporizada num líder carismático. 

Josef Estaline, que assinou um pacto de cooperação com o nazi em Agosto de 1939, partilhava características com o fundador do III Reich: havia um fascínio mútuo entre ambos. Tirânicos em grau extremo, expoentes de regimes alicerçados em partidos únicos, rodeados de uma pequena corte de fiéis, cultivando o secretismo como instrumento vital para a consolidação do poder. Também Estaline era leitor compulsivo. Com maior apetência para a história, a filosofia e os clássicos do pensamento marxista que lia e relia, sublinhando vários trechos e fazendo anotações à margem.

Tal como aconteceu com a de Hitler, a biblioteca de Estaline foi assaltada após a sua morte, dispersa e fragmentada de modo irreparável. Restam, ainda assim, largas centenas de exemplares devidamente catalogados e consultados por Geoffrey Roberts, professor emérito da Universidade de Cork, na Irlanda, e especializado em história do período soviético. Livros que a partir da década de 20 do século passado receberam o carimbo ex-libris do ditador georgiano, que lhes conferiu selo de proprietário. Pormenor irónico no regime comunista de Moscovo, que tinha como dogma a colectivização dos bens privados.

 

Roberts demorou anos a investigar o que sobrou e a indagar pistas sobre o que havia desaparecido. Chegando a conclusões interessantes e até inesperadas: o impiedoso déspota do Kremlin, que conduziu milhões de compatriotas ao cadafalso, à tortura e à morte pela fome, era dotado de sensibilidade literária. Também à semelhança de Hitler, era visto muitas vezes com um livro na mão. Um hábito que lhe foi inculcado quando esteve a estudar para padre num seminário ortodoxo antes de trocar a religião cristã pela ideologia marxista-leninista.

«Estaline lia literatura por simples ócio, prazer e edificação. Em jovem, o seu primeiro amor foi a poesia e os seus primeiros escritos publicados foram poemas patrióticos. A ficção radical conduziu o jovem Estaline à causa revolucionária», assinala o historiador irlandês - meritória tradução de Frederico Pedreira em versão portuguesa que não mutila consoantes.

Leitor omnívoro, era devoto dos clássicos russos. Também lia Shakespeare, Heine, Balzac, Victor Hugo e Guy de Maupassant. Até conhecia Walt Whitman ao ponto de lhe enaltecer estes versos: «Estamos vivos. / O nosso sangue escarlate ferve / com o fogo da força por usar.»

Nunca nas línguas originais, pois foram falhando sucessivas tentativas de se tornar fluente em idiomas além do georgiano natal e do russo adoptivo. Eis outro aspecto muito interessante deste ensaio da nova editora de Carlos Vaz Marques: os livros que menciona ajudam-nos a conhecer o homem. Sem nunca ocultar a figura tenebrosa do tirano que durante 30 anos governou com punho de ferro a União Soviética como se fosse o seu quintal.

 

Sugestão 8 de 2016:

Todos os Fogos o Fogo, de Julio Cortázar (Cavalo de Ferro)

Sugestão 8 de 2017:

Prantos, Amores e Outros Desvarios, de Teolinda Gersão (Porto Editora)

Sugestão 8 de 2018:

Quem Meteu a Mão na Caixa, de Helena Garrido (Contraponto)

Sugestão 8 de 2019:

Portugal Contemporâneo, de Oliveira Martins (Bookbuilders)

Sugestão 8 de 2020:

A Ideologia Afrocentrista à Conquista da História, de François-Xavier Fauvelle (Guerra & Paz)

Sugestão 8 de 2021:

Ernestina, de J. Rentes de Carvalho (Quetzal)

Sugestão 8 de 2022:

Luanda, Lisboa, Paraíso, de Djaimilia Pereira de Almeida (Companhia das Letras)

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