Dez livros para comprar na Feira
Livro seis: Professor Unrat, de Heinrich Mann
Edição E-primatur, 2023
241 páginas
Desassombrado romance, muito ousado para a época (1905), em torno da degradação moral de um professor, eminente burguês de uma cidade do norte da Alemanha no final do século XIX. Obcecado por uma cantora de cabaré que primeiro idolatra com aparente paixão romântica e depois explora com ganância venal, acabando marginalizado pela sociedade conservadora de que fez parte até aos 57 anos.
Personagens credíveis, diálogos mordazes, sagaz sátira social à hipocrisia reinante no quotidiano do Império Alemão naqueles tempos supostamente festivos que precederam a I Guerra Mundial. O livro gerou celeuma ao ridicularizar um pedagogo que espalhava o terror na sala de aula, brutalizava os alunos e odiava afinal a sua profissão. Tal como não suportava a cidade onde fazia vibrantes apelos à manutenção da ordem vigente, sob uma fachada de respeitabilidade.
«Com ar sombrio, alertava os jovens professores substitutos, mais tímidos ainda do que ele, com quem se atrevia a falar, contra a funesta obsessão do espírito moderno em abalar os fundamentos da sociedade. Queria-os fortes: uma Igreja influente, uma espada firme, estrita obediência e costumes rígidos. E, no entanto, era profundamente descrente, e capaz da maior tolerância no que a si mesmo dizia respeito.» (Tradução de Bruno C. Duarte).
Percebemos afinal que ninguém necessitava tanto de ensino como este professor Immanuel Raat a quem muitos chamavam Unrat - que significa lixo, porcaria, sujidade. Acabou por fazer jus ao apodo após conhecer Rosa Fröhlich, artista de variedades com vasto currículo de actuações em espeluncas nocturnas. «A chamada moralidade está, na grande maioria dos casos, intimamente ligada à estupidez», garante-lhe ele, ao ser apontado a dedo na cidade como insaciável libidinoso.
Professor Unrat elevou Heinrich Mann (1871-1950) aos píncaros da fama, rivalizando com Thomas, seu irmão mais novo. «Um dos melhores escritores do século», enalteceu-o Mario Vargas Llosa. Também o tornaria amaldiçoado anos depois pelo regime nazi, que proibiu as suas obras e lançou vários dos seus livros literalmente para a fogueira. Incluindo este, apontado como exemplo supremo de "literatura degenerada".
O cinema fez justiça a Professor Unrat, dando-lhe projecção universal. Sob o título O Anjo Azul, primeiro filme sonoro alemão, realizado em 1930 por Josef von Sternberg, com Emil Jannings no papel de Unrat e a sensual Marlene Dietrich como Rosa (Lola-Lola, na película). Ela exibindo as coxas bem torneadas enquanto cantava «Ich bin von Kopf bis Fuß auf Liebe eingestellt» [«Estou pronta para o amor da cabeça aos pés»]. Música de fundo numa relação implausível, condenada a não ter final feliz.
Sugestão 6 de 2016:
Axilas e Outras Histórias Indecorosas, de Rubem Fonseca (Sextante)
Sugestão 6 de 2017:
O Tesouro, de Selma Lagerlöf (Cavalo de Ferro)
Sugestão 6 de 2018:
Quem Disser o Contrário é Porque Tem Razão, de Mário de Carvalho (Porto Editora)
Sugestão 6 de 2019:
Como Ser um Conservador, de Roger Scruton (Guerra & Paz)
Sugestão 6 de 2020:
Fósforos e Metal Sobre Imitação de Ser Humano, de Filipa Leal (Assírio & Alvim)
Sugestão 6 de 2021:
Uma Longa Viagem com Vasco Pulido Valente, de João Céu e Silva (Contraponto)
Sugestão 6 de 2022:
O Barulho das Coisas ao Cair, de Juan Gabriel Vásquez (Alfaguara)