Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 09.09.22

500x.jpg

 

Livro oito: Luanda, Lisboa, Paraíso, de Djaimilia Pereira de Almeida

Edição Companhia das Letras, 2021

229 páginas

 

Grande revelação, esta prosa desenvolta que nos apresenta personagens credíveis e com espessura. Ficamos ligados à família Cartola, sobretudo ao pai e ao filho Aquiles, transplantados da Angola natal para Lisboa – terra inscrita no imaginário do mais velho, nascido durante a administração colonial e sentindo-se duplamente desenraizado: o país que se tornou independente em Novembro de 1975 não é o seu, pois sente-se culturalmente português.

Mas a antiga metrópole recebe-o com indiferença forasteira naquela década de 80. Uma frieza que ele é incapaz de compreender. Ele que «chegou a apanhar pedrinhas do chão e a encher os bolsos com elas, como relíquias de uma terra santa». Ele que «se arrepiava ao ouvir o hino de Portugal e sabia de cor a primeira estrofe dos Lusíadas». Ele que na escola havia memorizado os afluentes do Mondego e recitava os nomes dos reis da dinastia Bragança.

O filho tornou-se apátrida cultural em terra-de-ninguém quando se viu forçado a viajar de África para a Europa por motivos de saúde. Ainda no hospital onde esteve internado, deixou de se sentir angolano. «Esse olhar de quem vê o mundo da cama, contrariado, a morder-se de raiva porque ninguém o ouve, ninguém acode, foi a sua nacionalidade assim que pisou Lisboa.» Não volta a ser o mesmo. 

Há também Glória, que se manteve em Luanda e vai comunicando com o marido e o filho por cartas e telefonemas apressados. Também ela saudosa de um tempo que deixou há muito de existir, envolta numa rotina onde o sonho se sobrepõe à realidade.

É um romance em 49 sucintos capítulos que lança um olhar atento e terno sobre a verdadeira pobreza – não sobre os pobres de catálogo, manipulados para efeitos de propaganda ideológica ou catecismo político. Mas é também uma narrativa ficcional sem condescendência paternalista nem códigos de trincheira: apresenta-nos gente à deriva numa Lisboa que empurra os mais humildes para arrabaldes infernais como aquele a que por ironia chamam Paraíso. Gente mergulhada na pobreza endémica mesmo trabalhando para ter tecto e pão.

Nascida em Luanda e há muito radicada em Portugal, Djaimilia Pereira de Almeida doutorou-se em Teoria da Literatura, desempenha desde 2021 funções de consultoria na Casa Civil do Presidente da República e viu esta obra lançada em 2018 distinguida com vários prémios - Oceanos, Inês de Castro, Fundação Eça de Queiroz.

Apetece incentivá-la a escrever novos romances como este. Singelo, original e luminoso.

 

Sugestão 8 de 2016:

Todos os Fogos o Fogo, de Julio Cortázar (Cavalo de Ferro)

Sugestão 8 de 2017:

Prantos, Amores e Outros Desvarios, de Teolinda Gersão (Porto Editora)

Sugestão 8 de 2018:

Quem Meteu a Mão na Caixa, de Helena Garrido (Contraponto)

Sugestão 8 de 2019:

Portugal Contemporâneo, de Oliveira Martins (Bookbuilders)

Sugestão 8 de 2020:

A Ideologia Afrocentrista à Conquista da História, de François-Xavier Fauvelle (Guerra & Paz)

Sugestão 8 de 2021:

Ernestina, de J. Rentes de Carvalho (Quetzal)

2 comentários

Comentar post