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Delito de Opinião

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 03.09.22

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Livro seis: O Barulho das Coisas ao Cair, de Juan Gabriel Vásquez

Edição Alfaguara, 2020

302 páginas

 

Juan Gabriel Vásquez é considerado discípulo literário de Gabriel García Márquez. Une-os, é certo, a nacionalidade colombiana. Mas aqui há pouco realismo mágico. Enquanto o autor de Cem Anos de Solidão deambulava por uma nação ancestral, recriando-a a seu modo com exuberante requinte de linguagem castiça, Vásquez fala-nos da Colômbia contemporânea - este país concreto em que vive e trabalha após longos anos de ausência em Paris e Barcelona, onde estudou Literatura, foi tradutor e jornalista. 

Estar fora permitiu-lhe perceber com maior nitidez o sinistro legado do narcotráfico aliado ao terrorismo que durante décadas manchou a terra colombiana, pondo-a à mercê de todos os impulsos liberticidas. Traindo o sonho do pai da pátria, Simón Bolívar.

«A experiência, aquilo a que chamamos experiência, não é o inventário das nossas dores, mas a compaixão aprendida com as dores alheias.» Eis a lição que o jovem Antonio Yammara recebe e transmite neste belíssimo romance que nos confirma como são precários os laços humanos perante as encruzilhadas da vida, tecidas de mil acasos.

A vénia a García Márquez é óbvia logo neste parágrafo da página 18: «No dia da sua morte, no início de 1996, Ricardo Laverde tinha passado a manhã a passear pelas calçadas estreitas de La Candelaria, no centro de Bogotá, entre casas velhas com telhas de barro cozido e placas de mármore que resenham para ninguém momentos históricos, e por volta da uma chegou aos bilhares da Calle 14, disposto a disputar um par de jogos com os clientes habituais.»

Mas aqui não há exotismo pícaro nem lugar para nostálgicas contemplações etnográficas. O Barulho das Coisas ao Cair, com meritória tradução de Vasco Gato, tem como pano de fundo os anos de chumbo em que o país esteve submetido ao império do maior barão da droga, Pablo Escobar, com o seu viscoso cortejo de sangue que marcou para sempre as personagens centrais, Antonio e Maya. Condenados a uma espécie de antecipação da morte ainda em vida.

Eles atravessaram a adolescência e tornaram-se adultos enquanto Bogotá «se afundava no medo e no barulho dos tiros e das bombas sem que ninguém tivesse declarado guerra nenhuma, ou pelo menos não uma guerra convencional». À semelhança de tantos da sua geração, também eles experimentaram o barulho das coisas ao cair - no plano real e no plano metafórico. Numa digressão sem retorno a um tempo de trevas.

Vale para a Colômbia, país que «produz fugitivos», mas tem alcance universal. 

 

Sugestão 6 de 2016:

Axilas e Outras Histórias Indecorosas, de Rubem Fonseca (Sextante)

Sugestão 6 de 2017:

O Tesouro, de Selma Lagerlöf (Cavalo de Ferro)

Sugestão 6 de 2018:

Quem Disser o Contrário é Porque Tem Razão, de Mário de Carvalho (Porto Editora)

Sugestão 6 de 2019:

Como Ser um Conservador, de Roger Scruton (Guerra & Paz)

Sugestão 6 de 2020:

Fósforos e Metal Sobre Imitação de Ser Humanode Filipa Leal (Assírio & Alvim)

Sugestão 6 de 2021:

Uma Longa Viagem com Vasco Pulido Valente, de João Céu e Silva (Contraponto)

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