Dez livros para comprar na Feira
Livro sete: Diários 1950-1962, de Sylvia Plath
Edição Relógio d'Água, 2021
809 páginas
Foi um dos acontecimentos editoriais dos últimos meses em Portugal: o monumental volume dos Diários de Sylvia Plath (1932-1963), incluindo os trechos expurgados pelo marido da malograda escritora, Ted Hughes, e recuperados em 1999, após a morte deste.
Dispomos enfim desta obra no nosso idioma: são oito diários principais, redigidos entre 1950 e 1959, e 15 fragmentos de cadernos de apontamentos, iniciados em 1951 e prolongados até 1962 - meses antes do suicídio da autora de Ariel. Empreendimento digno de vénia, com a habitual competência da editora dirigida por Francisco Vale. Merece destaque a excelente tradução de Inês Dias e José Miguel Silva.
«Quando se limitava a registar os acontecimentos, sem a pretensão de os reformular em moldes artísticos nem de os tornar públicos, escrevia por vezes alguns dos seus melhores textos - e é o que transparece nos seus diários», observou Hughes num prefácio à recolha póstuma de contos da mulher, cujo espólio literário foi gerindo de modo controverso.
São apontamentos íntimos, em que a poetisa norte-americana vai desvendando as suas inquietações mais profundas e os traumas insinuados no relato de um quotidiano só na aparência banal. Permitindo descortinar as entrelinhas do seu magnífico romance, Campânula de Vidro, - pungente tratado sobre os abismos da depressão publicado sob pseudónimo em Londres, em Janeiro de 1963, no auge do Inverno mais frio que o Reino Unido sofreu no século XX. Matou-se no mês seguinte: à terceira tentativa, foi de vez.
Redigidos numa linguagem sem filtros mas sempre com elegância, os diários revelam uma personalidade narcísica, obsessiva, bipolar e assombrada pela perda precoce do pai. Pouco ou nada lhe interessa o que vai decorrendo no mundo exterior, incluindo a sucessão de acontecimentos políticos, quase ausentes destas páginas.
É um testemunho precioso: percebemos como a depressão avança e se apodera dela, de modo insidioso e furtivo, sob uma fachada de jovial e fresca normalidade. Sylvia ficou sem pai quando tinha apenas dez anos e desde então alimentou uma surda revolta contra a mãe, germinando em espiral no seu inconsciente angustiado. Aversão compulsiva, que a deixava perplexa. Imaginou redimir-se pela imortalidade na literatura, sua aspiração suprema. «É possível que quando damos por nós a querer tudo é porque estamos perigosamente perto de não querermos nada», anota no diário, com perturbante lucidez.
Personagem de tragédia bem real. Procurou o pai perdido em cada homem ao longo de uma década feita de encontros e desencontros. Imaginou encontrá-lo no marido britânico, poeta como ela. Quando se separaram, no Verão de 1962, perde pela segunda vez o pai - desta vez no plano simbólico - e sente um desamparo sem remissão. A mãe viria a sobreviver-lhe 30 anos.
Jamais conseguiremos desvendar com nitidez a face lunar da alma humana. «From the bottom of the pool, fixed stars / Govern a life», escreveu Sylvia Plath. Dia após dia, foi namorando a morte. Até que decidiu partir para não mais voltar, numa interminável viagem ao fim da noite.
Estrelas no fundo de um poço - quantas delas se cruzam connosco nos dédalos citadinos? Vocacionadas para a eternidade mas com todos os sonhos sepultados numa vastidão de pó.
Sugestão 7 de 2016:
O Bosque, de João Miguel Fernandes Jorge (Relógio d'Água)
Sugestão 7 de 2017:
1933 Foi um Mau Ano, de John Fante (Alfaguara)
Sugestão 7 de 2018:
O Visitante da Noite & Outros Contos, de B. Traven (Antígona)
Sugestão 7 de 2019:
Um Futuro de Fé, do Papa Francisco e Dominique Wolton (Planeta)
Sugestão 7 de 2020:
Acordo Ortográfico - Um Beco Com Saída, de Nuno Pacheco (Gradiva)
Sugestão 7 de 2021:
O Silêncio, de Don DeLillo (Relógio d'Água)