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Delito de Opinião

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 01.09.22

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Livro cinco: As Praias de Portugal, de Ramalho Ortigão

Edição Quetzal, 2022

188 páginas

 

Ramalho Ortigão anda a ser reeditado – eis uma excelente notícia. Tantas vezes agregado ao seu contemporâneo e amigo Eça de Queiroz, o co-autor d’ As Farpas merece leitura não contaminada por tal comparação, aliás pouco justificada: ele não se distinguiu como romancista, mas como cronista e até repórter.

As Praias de Portugal, de regresso às livrarias após prolongada ausência, é um bom exemplo do seu talento. Faz-nos recuar cerca de 150 anos, visitando pontos da nossa costa como se os víssemos agora. Mérito do grande prosador que Ramalho (1839-1915) foi. Mesmo sem ter cultivado a arte da ficção.

Quando turista ainda se escrevia à francesa (touriste), o autor deste «guia do banhista e do viajante» percorreu muitas praias do país, confessando preferências. Portuense de berço, assume especial fascínio pelo mar nortenho. Algumas das raras notas confessionais surgem-lhe a propósito da Foz. E suscita sorrisos ao apresentar a Granja, «uma praia de algibeira».

Mas duas das melhores crónicas deste roteiro balnear situam-se mais a sul. Uma em torno da Ericeira, que Ramalho enaltece como «a terra mais asseada de Portugal» – exceptuando Olhão, aliás só aflorada para tal efeito nesta digressão entre Âncora, no Alto Minho, e a península de Tróia. Alentejo e Algarve estão ausentes da obra, datada de 1876.

A Ericeira serve de pretexto para o autor mencionar Mafra, desviando-se da linha costeira. E vergastar D. João V, «Nero de sacristia, Faraó freirático», que «consumiu tantos milhares de contos, tantos milhares de braços e tantos milhares de vidas» no convento.

Este Ramalho é-nos familiar: exímio praticante da farpa verbal. Mas o cronista amável também se revela neste livrinho, hoje com interesse não apenas literário mas sobretudo etnográfico. Numa época em que a praia se frequentava mais pelas suas propriedades terapêuticas do que como cenário de lazer.

«De Pedrouços a Cascais»: assim se intitula outro texto digno de realce neste volume, infelizmente sujeito ao famigerado “acordo ortográfico”, aliás sem enganar ninguém: logo na primeira frase alude-se ao «aspeto (sic) da praia».

Aqui sobressai a visão minuciosa do repórter que no Cais do Sodré embarca «no vapor» e vai mirando as praias do Tejo e as seguintes, já no mar. «Entramos na baía de Cascais, 27 quilómetros de Lisboa percorridos em cinco quartos de hora.» Sem poupar elogios à vila, que «possui uma praça em que se acha o tribunal e a casa da Câmara, um passeio público, três hotéis, um teatro e uma praça de touros».

Ecos de um tempo remoto, eram ainda S. Martinho do Porto, Costa Nova e S. Pedro de Moel «praias obscuras». E quando cândidas almas se escandalizavam porque «a viscondessa de X… foi vista fumando cigarros cor-de-rosa na praia de Paço de Arcos».

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Sugestão 5 de 2016:

Telex de Cuba, de Rachel Kushner (Relógio d' Água)

Sugestão 5 de 2017:

Coração de Cão, de Mikhail Bulgákov (Alêtheia)

Sugestão 5 de 2018:

Octaedro, de Julio Cortázar (Cavalo de Ferro)

Sugestão 5 de 2019:

Júlio de Melo Fogaça, de Adelino Cunha (Desassossego)

Sugestão 5 de 2020:

Por Amor à Língua, de Manuel Monteiro (Objectiva)

Sugestão de 2021:

Gramática Para Todos, de Marco Neves (Guerra & Paz)

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