Dez livros para comprar na Feira
Livro três: O Meu Irmão, de Afonso Reis Cabral
Edição Leya, 2017
363 páginas
Há livros destinados a perdurar-nos na memória. Este é um deles. Pela extrema sensibilidade do tema. Pela contenção do autor, que não deixa resvalar o texto para o terreno do folhetim pronto a puxar à lágrima. Pela desenvoltura da escrita, sem perder de vista uma das funções essenciais do romance como forma de expressão artística: saber contar uma história, prendendo-nos ao fluir da narrativa.
O Meu Irmão prende-nos, sem dúvida. Narrado na primeira pessoa por um professor universitário que ao longo dos anos se aproximou muito mais dos livros do que das pessoas, tornando-se agnóstico em matéria de sentimentos. Na roleta do destino, coube-lhe a melhor porção - filho já tardio de um casal de classe média-alta, com quatro irmãs mais velhas e um irmão que era como o seu inverso: Miguel, nascido com síndrome de Down, ficou desamparado com a morte dos pais.
«Eu nascera inteligente e perfeito, ele nascera inimputável e incompleto», revela o narrador, que durante toda a juventude se desinteressou por completo do irmão, apenas um ano mais novo. Evitando contemplar-se naquele espelho: «Nele, a mente de criança dirigia o corpo de adulto.»
Até que, num inesperado rebate de consciência, decide tomar conta dele - para alívio das irmãs, que não pretendiam tal encargo. Toda a sua vida irá mudar. Nada será fácil, nada ficará na mesma.
Com esta obra, Afonso Reis Cabral recebeu o Prémio Leya em 2014, quando tinha apenas 24 anos. Distinção merecida: estamos perante um dos melhores romances portugueses deste século sobre os elos familiares, aqui postos à prova por uma doença irreversível.
O Meu Irmão supera vários testes, com direito a quadro de honra. Num estilo sólido, seguro, contido, sem lamechice, sem retórica balofa, sem puxar ao sentimentalismo fácil dos "afectos" agora tão em voga. Com excelentes diálogos e sábias alternâncias de ritmo da narrativa. Como sucede na vida, afinal.
Seria difícil começar da melhor maneira. Afonso Reis Cabral - trineto de Eça de Queiroz - entrou aqui pela porta grande da literatura.
Sugestão 3 de 2016:
Política, de David Runciman (Objectiva)
Sugestão 3 de 2017:
A Rosa do Povo, de Carlos Drummond de Andrade (Companhia das Letras)
Sugestão 3 de 2018:
Cebola Crua com Sal e Broa, de Miguel Sousa Tavares (Clube do Autor)
Sugestão 3 de 2019:
Lá Fora, de Pedro Mexia (Tinta da China)
Sugestão 3 de 2020:
ABC da Tradução, de Marco Neves (Guerra & Paz)
Sugestão 3 de 2021:
Intervenções, de Michel Houellebecq (Alfaguara)