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Delito de Opinião

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 28.08.22

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Livro três: O Meu Irmão, de Afonso Reis Cabral

Edição Leya, 2017

363 páginas

 

Há livros destinados a perdurar-nos na memória. Este é um deles. Pela extrema sensibilidade do tema. Pela contenção do autor, que não deixa resvalar o texto para o terreno do folhetim pronto a puxar à lágrima. Pela desenvoltura da escrita, sem perder de vista uma das funções essenciais do romance como forma de expressão artística: saber contar uma história, prendendo-nos ao fluir da narrativa.

O Meu Irmão prende-nos, sem dúvida. Narrado na primeira pessoa por um professor universitário que ao longo dos anos se aproximou muito mais dos livros do que das pessoas, tornando-se agnóstico em matéria de sentimentos. Na roleta do destino, coube-lhe a melhor porção - filho já tardio de um casal de classe média-alta, com quatro irmãs mais velhas e um irmão que era como o seu inverso: Miguel, nascido com síndrome de Down, ficou desamparado com a morte dos pais. 

«Eu nascera inteligente e perfeito, ele nascera inimputável e incompleto», revela o narrador, que durante toda a juventude se desinteressou por completo do irmão, apenas um ano mais novo. Evitando contemplar-se naquele espelho: «Nele, a mente de criança dirigia o corpo de adulto.»

Até que, num inesperado rebate de consciência, decide tomar conta dele - para alívio das irmãs, que não pretendiam tal encargo. Toda a sua vida irá mudar. Nada será fácil, nada ficará na mesma. 

Com esta obra, Afonso Reis Cabral recebeu o Prémio Leya em 2014, quando tinha apenas 24 anos. Distinção merecida: estamos perante um dos melhores romances portugueses deste século sobre os elos familiares, aqui postos à prova por uma doença irreversível.

O Meu Irmão supera vários testes, com direito a quadro de honra. Num estilo sólido, seguro, contido, sem lamechice, sem retórica balofa, sem puxar ao sentimentalismo fácil dos "afectos" agora tão em voga. Com excelentes diálogos e sábias alternâncias de ritmo da narrativa. Como sucede na vida, afinal.

Seria difícil começar da melhor maneira. Afonso Reis Cabral - trineto de Eça de Queiroz - entrou aqui pela porta grande da literatura.

 

Sugestão 3 de 2016:

Política, de David Runciman (Objectiva)

Sugestão 3 de 2017:

A Rosa do Povo, de Carlos Drummond de Andrade (Companhia das Letras)

Sugestão 3 de 2018:

Cebola Crua com Sal e Broa, de Miguel Sousa Tavares (Clube do Autor)

Sugestão 3 de 2019:

Lá Fora, de Pedro Mexia (Tinta da China)

Sugestão 3 de 2020:

ABC da Tradução, de Marco Neves (Guerra & Paz)

Sugestão  3 de 2021:

Intervenções, de Michel Houellebecq (Alfaguara)

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