Dez livros para comprar na Feira
Livro um: O Caminho Fica Longe, de Vergílio Ferreira
Edição Quetzal, 2016
366 páginas
Durante décadas, esta obra permaneceu inacessível: insatisfeito com o texto que produzira quando tinha apenas 23 anos, o escritor considerou-o sem qualidade suficiente para integrar o seu espólio literário. Num dos volumes do diário Conta-Corrente Vergílio Ferreira (1916-1996) chega a referir-se de modo depreciativo ao primeiro livro que publicou, em 1943, a seu ver imaturo e quase infantil.
A verdade, porém, é que O Caminho Fica Longe é um bom romance de aprendizagem. Com o aliciante de nos revelar quais eram então os temas centrais do autor de Aparição e perceber como evoluiu o seu fio narrativo, ao nível do conteúdo e do próprio estilo. Aqui a linguagem é mais convencional e menos envolta em simbolismo, sem a escrita depurada que lhe encontraremos no apogeu da maturidade artística, em obras como Alegria Breve ou Para Sempre.
Mas este livro centrado na atmosfera universitária de Coimbra do final da década de 30 (Vergílio escreveu-o em 1939, inserindo alusões à guerra europeia), com estudantes como personagens quase exclusivas, tem a frescura do que é espontâneo. E, à sua maneira, é muito revelador. Do vocabulário da época. Das diferenças de estatuto social entre os alunos. Do choque cultural entre o país campestre de onde muitos provinham e aquele meio urbano infestado de preconceitos. Da pobreza endémica que pairava em pano de fundo naqueles tempos de convulsão mundial.
Romance "social", sim. Mas tendo já em esboço as inquietações metafísicas que este grande prosador - um dos nossos maiores do século XX - viria a manifestar em quase toda a obra posterior, sobretudo a partir do romance Mudança (1949). O suicídio, por exemplo, é tema fulcral em O Caminho Fica Longe - gerando até uma colisão do escritor com a censura salazarista, que o aconselhou a "limar" alguns trechos.
A versão definitiva hoje disponível, com texto fixado por Ana Isabel Turíbio, presta homenagem ao jovem talento que aqui iniciava um longo percurso nas letras portuguesas. Perplexo perante o grande mistério da existência: «A face do mundo é sempre igual a si mesma. Os rios correm sempre, as árvores dão os seus frutos e as estrelas vivem eternamente pregadas ao céu.»
Sugestão 1 de 2016:
O Islão e o Ocidente, de Jaime Nogueira Pinto (D.Quixote)
Sugestão 1 de 2017:
A Máquina do Tempo, de H. G. Wells (Antígona)
Sugestão 1 de 2018:
Delito de Opinião, de vários autores (Bookbuilders)
Sugestão 1 de 2019:
O Fundo da Gaveta, de Vasco Pulido Valente (D. Quixote)
Sugestão de 2020:
As Sílabas de Amália, de Manuel Alegre (D. Quixote)
Sugestão de 2021:
No Devagar Depressa dos Tempos, de Marcello Duarte Mathias (D. Quixote)