Dez livros para comprar na Feira
Livro nove: Woke - Um Guia Para a Justiça Social, de Titania McGrath
Edição Guerra & Paz, 2021
133 páginas
Titania Gethsemane McGrath é uma celebridade das chamadas redes sociais. Cheia de opiniões fortes, categóricas, inabaláveis. Arrasa todos quantos ousam contestá-la. Nasceu como figura pública no Twitter, onde se tornou vedeta instantânea. Vegana militante, ecofeminista assumida, defensora de uma «utopia interseccional socialista», seja lá o que isso for. Com mestrado em Estudos de Género por Oxford. Aos 24 anos proclamou-se «melhor poeta do que William Shakespeare», esse incurável misógino.
Muito precoce, ao entrar na creche já se identificava como não-binária. Detesta viver num planeta que tem forma de testículo. Num dos seus poemas mais difundidos, elaborou este auto-retrato: «Titania, / Queima-conservadores, / Queixo firme no parapeito, critico, metralho, disparo. // Criptofascistas tremem ao meu rugido.»
Em Março deste ano, acumulava mais de 600 mil seguidores no Twitter. A vontade de vergastar a cultura falocêntrica, dominada por supremacistas brancos, era tanta que não lhe bastava tuitar: publicou dois livros – um dos quais agora disponível em português.
Ninguém a cala. Eis uma súmula das suas mais intrépidas reflexões:
«Há poucos exemplos de misoginia mais virulenta do que um homem considerar uma mulher atraente.»
«O amor não existe. É uma invenção burguesa destinada a justificar os impulsos psicossexuais dos machos.»
«A mudança climática tem a sua origem em os homens verem a Terra como uma mulher e quererem castigá-la, porque olham para ela como uma prostituta arrogante.»
«Só alcançaremos a verdadeira igualdade quando as mulheres forem mais valorizadas do que os homens.»
Acontece que Titania não existe.
Ou, dizendo melhor, é uma invenção. De Andrew Doyle, comediante britânico que concebeu esta personagem para denunciar os riscos do activismo ideológico mais sectário. Que estrangula a sátira, asfixia o humor, alimenta os desvarios da correcção política, incentiva o regresso da censura.
Woke – Um Guia Para a Justiça Social, da falsa Titania McGrath, com tradução portuguesa de João Reis, é imperdível. O título baseia-se no particípio passado do verbo inglês to wake – que significa despertar. Em nome de «políticas identitárias» levadas ao delírio, que Doyle não hesita em desconstruir. Pelo sarcasmo, pelo riso - por mais fora de moda que pareçam.
«Nascer num mundo heteronormativo patriarcal de supremacistas brancos coloca sob grande pressão a psique de qualquer pessoa», justifica a pretensa Titania McGrath. Que afinal é mais verdadeira do que possamos supor. Ela e muitas outras andam aí. Policiando palavras, gestos e pensamentos. Com nomes estampados neste livro.
«Sou totalmente a favor da liberdade artística, mas quando se trata de apropriação cultural ou ofensa a grupos privados de direitos, defendo que a arte deve estar sujeita a um certo grau de censura», escreve ela.
Não se iludam: esta alegada brincadeira deve ser levada a sério. Antes que se torne demasiado tarde.
Sugestão 9 de 2016:
Entrevistas da Paris Review (Tinta da China)
Sugestão 9 de 2017:
Ao Largo da Vida, de Rainer Maria Rilke (Ítaca)
Sugestão 9 de 2018:
Só Acontece aos Outros, de Maria Antónia Palla (Sibila)
Sugestão 9 de 2019:
La Llamada de la Tribu, de Mario Vargas Llosa (Alfaguara)
Sugestão 9 de 2020:
Estocolmo, de Sérgio Godinho (Quetzal)