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Delito de Opinião

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 01.09.21

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Livro seis: Uma Longa Viagem com Vasco Pulido Valente, de João Céu e Silva

Edição Contraponto, 2021

294 páginas

 

João Céu e Silva, jornalista com formação de historiador, assina aquela que é talvez a mais interessante das "longas viagens" que tem empreendido com vultos da política e da literatura - Álvaro Cunhal, Miguel Torga, José Saramago, Manuel Alegre, António Lobo Antunes. Desta vez foi ao encontro de Vasco Pulido Valente e resume aqui os diálogos com o autor de O Poder e o Povo: 42 sessões sempre ao fim da tarde de segunda-feira, entre Outubro de 2018 e Janeiro de 2020. Só interrompidas pelo internamento hospitalar do ensaísta, falecido a 21 de Fevereiro do ano passado.

Estamos perante uma espécie de testamento. Pulido Valente terá pressentido que este seria um livro póstumo: fala como se fizesse um balanço de vida. Lamenta não ter permanecido em Oxford, onde foi convidado a leccionar, e a sua dispersão por inúmeros textos jornalísticos (da revista O Tempo e o Modo, na década de 60, ao Observador, pouco antes de falecer) sem consumar o maior sonho: escrever uma História de Portugal, das invasões francesas ao fim da monarquia. Cem anos pouco estudados e mal conhecidos.

De caminho, emite sentenças sobre todos os protagonistas do período republicano. Sem esconder um misto de repulsa e fascínio por Salazar. Ao lê-lo, é como se estivéssemos a escutá-lo – e este é o mérito maior do autor do livro, que se intromete apenas na justa medida, enquadrando temas ou reconduzindo o interlocutor, que muito se dispersa, ao assunto central. Alguns erros factuais de Pulido Valente passaram incólumes, sem correcção, o que acentua a autenticidade do diálogo. Em edições posteriores justificarão notas de rodapé.

Certas redundâncias resultam também do clima de informalidade e franqueza em que estes diálogos decorreram. Com o autor de Às Avessas a reiterar elogios a Mário Soares e Sá Carneiro, com quem conviveu de perto, sem hesitar na preferência pelo primeiro. Quase todos os restantes políticos do nosso último meio século, de Spínola a Sócrates, são crivados de críticas. Excepto Passos Coelho e António Costa, poupados ao diagnóstico corrosivo deste homem que reconhecia já viver algo ausente da sua época e nos últimos anos só se relacionava com o mundo através da televisão. «Eu sou de um tempo em que tratavam por excelentíssimo senhor doutor o Salazar e agora tratam o primeiro-ministro por tu e o presidente quase igual.»

Uma Longa Viagem com Pulido Valente divide-se em oito capítulos. Os mais interessantes são aqueles em que o visado se desvenda o suficiente para nos dar a ilusão de ficarmos a conhecê-lo um pouco melhor. Mas em todos surgem boas histórias, narradas por alguém que não hesitava em classificar a História, enquanto substantivo próprio, «como uma forma de arte». Tal como a praticou Oliveira Martins, um dos seus raros heróis literários, no lapidar Portugal Contemporâneo.

Ficou-lhe também o desgosto de nunca ter publicado um romance. Andou lá perto em 2001, quando lançou o seu maior êxito editorial: Glória, biografia de um político medíocre do século XIX. Vasco Pulido Valente legou-nos duas dezenas de livros e largos milhares de textos concebidos para colunas jornalísticas. Aqui era de uma exigência sem mácula: tentava sempre ser o melhor. «A opinião não é para amadores», costumava dizer. Com toda a razão.

 

Sugestão 6 de 2016:

Axilas e Outras Histórias Indecorosas, de Rubem Fonseca (Sextante)

Sugestão 6 de 2017:

O Tesouro, de Selma Lagerlöf (Cavalo de Ferro)

Sugestão 6 de 2018:

Quem Disser o Contrário é Porque Tem Razão, de Mário de Carvalho (Porto Editora)

Sugestão 6 de 2019:

Como Ser um Conservador, de Roger Scruton (Guerra & Paz)

Sugestão 6 de 2020:

Fósforos e Metal Sobre Imitação de Ser Humanode Filipa Leal (Assírio & Alvim)

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