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Delito de Opinião

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 25.08.21

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Livro três: Intervenções, de Michel Houellebecq

Edição Alfaguara, 2021

378 páginas

 

O francês Michel Houellebecq - autor de Submissão, um dos romances que marcam este século - gosta de emitir opiniões provocatórias. Contra a correcção política, desafiando os novos dogmas. Comparo-o por vezes ao saudoso Vasco Pulido Valente. Ou aos espanhóis Javier Marías e Arturo Pérez-Reverte. Pertence à linhagem dos escritores e pensadores que perturbam os consensos estabelecidos.

É uma característica patente neste volume, que beneficia de tradução competente de José Mário Silva e recolhe textos diversos do romancista - crónicas, entrevistas, pequenos ensaios - publicados entre 1993 e 2020. Textos de valor muito desigual. Alguns decepcionantes, outros tocados pelo brilhantismo que o autor empresta a várias reflexões sobre temas em foco: o relativismo cultural, a degradação dos padrões educativos ou o nivelamento por baixo nas sociedades contemporâneas. No estilo desassombrado que se tornou sua imagem de marca e que por vezes abusa de efeitos retóricos, como quando designa de «imbecis» quantos se acomodam ao padrão dominante.

O balanço é positivo: esta antologia justifica atenção por conter fragmentos de Houellebecq no seu melhor. Pessimista militante, sarcástico, melancólico. Quase sempre estimulante. Capaz de nos interpelar mesmo quando nos irrita. Conservador assumido, fala do presente como se sentisse saudades perpétuas do passado – até de um passado que nunca viveu. Elege Dostoievski como exemplo supremo da ficção literária. Elogia o cinema mudo. Enaltece as epístolas de São Paulo. Questiona «se terá havido um verdadeiro progresso desde o tempo da vida nas cavernas.»

Nele transparece sobretudo a paixão pela escrita. Que o leva a disparar contra solenes vultos das letras gaulesas: Sartre, Beauvoir, Malraux, Genet, Robbe-Grillet. E a citar Schopenhauer: «A primeira – e praticamente a única – condição de um bom estilo é ter qualquer coisa para dizer.»

No fim, tudo se reconduz à literatura – outra forma de pronunciarmos a palavra vida. Em frases tão lapidares e comoventes como esta: «Nada neste mundo é mais belo do que a bruma que se levanta do mar.»

 

Sugestão 3 de 2016:

Política, de David Runciman (Objectiva)

Sugestão 3 de 2017:

A Rosa do Povo, de Carlos Drummond de Andrade (Companhia das Letras)

Sugestão 3 de 2018:

Cebola Crua com Sal e Broa, de Miguel Sousa Tavares (Clube do Autor)

Sugestão 3 de 2019:

Lá Fora, de Pedro Mexia (Tinta da China)

Sugestão 3 de 2020:

ABC da Tradução, de Marco Neves (Guerra & Paz)

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