Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 12.09.20

250x[1].jpg

 

Livro dez: A Minha Intenção, de Czeslaw Milosz

Edição Cavalo de Ferro, 2019

222 páginas

 

Há livros traduzidos que mereciam melhores títulos portugueses. É o caso deste, que reúne dispersos de Czeslaw Milosz (1911-2004), justamente galardoado em 1980 com o Prémio Nobel da Literatura. Um livro que comprova esta evidência: até em prosa fragmentária, escrita para prefácios ou conferências, o grande escritor polaco era capaz de arrebatar os leitores com a força das suas ideias e o seu exemplar talento literário, trespassado de toada poética.

A Minha Intenção contém onze textos de dimensão variada e géneros díspares, datados de épocas muito diferentes. No seu conjunto, segundo justifica o editor em breves linhas introdutórias, pretendem constituir «uma introdução à obra ensaística» daquele que foi «um dos mais extraordinários poetas e pensadores do século XX». Objectivo concretizado: aqui encontramos uma significativa amostra da versatilidade temática do escritor, em registos que vão do relato memorialístico à crítica literária, do aforismo ao ensaio biográfico.

Destaco três: “Viagem ao Ocidente” (de 1959), quase-conto em que o autor recorda uma atribulada digressão estival com dois amigos concretizada no final da adolescência, de Varsóvia a Paris; “Contra a Poesia Incompreensível” (de 1990), incisiva denúncia da «enxurrada de metáforas artísticas e de um elegante tecido linguístico que voltou costas à fala coloquial»; e “A Felicidade” (de 1998), comovida e comovente digressão nostálgica do poeta, já na velhice, pelos dias amenos da sua infância numa quinta dos avós situada na Lituânia, muito antes do manto de ferro e sangue cair sobre a Polónia, sucessivamente devastada por Hitler e Estaline. Milosz testemunhou esse pesadelo totalitário, denunciado no seu monumental ensaio A Mente Aprisionada, publicado originalmente já no exílio pós-comunista em França (1953) e agora também disponível em versão portuguesa, também com chancela da Cavalo de Ferro.

«Vivia sem ontem nem amanhã, vivia num eterno presente. E essa é, precisamente, a definição de felicidade», recorda o Nobel da Literatura, evocando esses tempos irrepetíveis, entre os sete e os dez anos. Regressou ali já com oitenta: tudo estava diferente: «Talvez fosse uma mudança mais radical do que qualquer outra por lá concretizada por mão humana desde a Idade Média.» A colectivização da agricultura, imposta pela ditadura soviética, fez desaparecer aldeias inteiras, «com as suas casas, pátios, celeiros, estábulos e hortas». Da quinta dos avós restavam ténues vestígios.

Espécie de Ulisses sem Ítaca para recuperar, Milosz confessa não ter sentido mágoa ou sequer tristeza: «Ali, vi-me confrontado não com a história do meu século, mas com o tempo em si.» Restou-lhe, mesmo nos momentos mais negros, a recordação perene daqueles dias felizes da infância com o seu assombroso «poder curativo», tornado revelação sete décadas depois.

 

Sugestão 10 de 2016:

Bairro Ocidental, de Manuel Alegre (D. Quixote)

Sugestão 10 de 2017:

Santos e Milagres, de Alexandre Borges (Casa das Letras)

Sugestão 10 de 2018:

Sonhos Públicos, de Joana Amaral Dias (D. Quixote)

6 comentários

Comentar post