Dez livros para comprar na Feira
Livro nove: Estocolmo, de Sérgio Godinho
Edição Quetzal, 2019
158 páginas
Os escritores portugueses, a partir de certa altura, perderam a vocação para contar histórias. Passaram a abstrair-se do objecto, como se apenas houvesse sujeito, e desinteressaram-se da realidade circundante, limitando-se a escutar o eco da própria voz em longos monólogos interiores que transformavam cada livro numa monumental estopada.
Felizmente, em anos mais recentes, parece ter vindo a recuperar-se o gosto pela narrativa de ficção. Sem temor reverencial pelos patrulheiros da ortodoxia estética que impunham o primado da forma sobre o conteúdo.
Um destes escritores sem complexos, que não quer punir o leitor nem obrigá-lo a partilhar catarses do seu foro íntimo, é Sérgio Godinho. Escritor que, antes de o ser, já o era – como cantautor, feliz neologismo que podemos colar também a um Brel, um Cohen, um Dylan ou um Buarque. Ao terceiro livro de ficção (após o volume de contos Vidadupla e o romance Coração Mais Que Perfeito), o criador de inesquecíveis canções, como Lisboa que Amanhece ou É Terça-Feira, confirma-se como hábil urdidor de tramas narrativas. Daquelas com princípio, meio e fim – e expressas num estilo tão visual que até podem ser lidas em voz alta.
O enredo de Estocolmo prende de imediato a atenção do leitor. Um estudante universitário, em busca de quarto para arrendar, torna-se inquilino de uma conhecida jornalista televisiva, verdadeira atracção nacional, que o sequestra literalmente no sótão desse apartamento lisboeta. O nome da capital sueca surge aqui enquanto síndrome, designando a irremediável atracção do jovem capturado, Vicente, pela sua atraente captora, não por acaso homónima da deusa da caça: Diana Albuquerque (figura fictícia talvez inspirada numa apresentadora real de telediário). Convicta de que «o amor é sempre uma forma de prisão» e que «já andamos todos enjaulados, pela sociedade, pela moral, pelo emprego, pelo amor e pelo ciúme».
Novela desenvolta, com diálogos credíveis e o ritmo narrativo de um thriller clássico: Sérgio Godinho supera a prova como autor de ficções sem música num livro que daria um filme. Sou capaz de apostar que dará mesmo.
Sugestão 9 de 2016:
Entrevistas da Paris Review (Tinta da China)
Sugestão 9 de 2017:
Ao Largo da Vida, de Rainer Maria Rilke (Ítaca)
Sugestão 9 de 2018:
Só Acontece aos Outros, de Maria Antónia Palla (Sibila)
Sugestão 9 de 2019:
La Llamada de la Tribu, de Mario Vargas Llosa (Alfaguara)