Dez livros para comprar na Feira
Livro sete: Acordo Ortográfico - Um Beco com Saída, de Nuno Pacheco
Edição Gradiva, 2019
203 páginas
O chamado “Acordo Ortográfico” – concebido pelo Executivo de Cavaco Silva em 1990 e concretizado pelo Governo de José Sócrates em 2008 – instituiu um panorama caótico na expressão escrita. Mas apenas em Portugal: os brasileiros mantêm a ortografia que já cultivavam, Angola e Moçambique nunca reconheceram as alterações e os restantes países de língua oficial portuguesa permanecem indiferentes ao seu conteúdo – espécie de norma às avessas, cheia de “facultatividades” e duplas grafias, à revelia do nosso aparelho vocálico e do étimo das palavras, muitas das quais ficaram desfiguradas e outras irromperam do nada, geradas por aparente delírio.
O AO90, que pretendia «unificar e simplificar» o idioma, sempre encontrou convictos adversários. Incluindo o actual Presidente da República, um dos 900 signatários de um abaixo-assinado anti-acordo que em 1990 congregou os nomes mais prestigiados das nossas letras – entre eles, Sophia de Mello Breyner Andresen, José Cardoso Pires, Vergílio Ferreira, Eduardo Lourenço, Óscar Lopes, David Mourão-Ferreira, Hélia Correia, Manuel Alegre, Herberto Helder, Maria Gabriela Llansol, Vasco Graça Moura e Mário Cesariny.
O jornalista Nuno Pacheco – co-fundador do Público, de que foi durante largos anos director-adjunto – tem sido um dos mais determinados e esclarecidos opositores ao “desacordo” ortográfico em numerosos artigos de opinião publicados naquele jornal e aqui reunidos, numa sequência cronológica iniciada em 2007 e prolongada até 2019. Artigos que nos fornecem a dimensão exacta deste atentado ao nosso património cultural que muitos brasileiros também rejeitam. «Outra maluquice», comentou Caetano Veloso. «Achei uma bobagem esse negócio da nova ortografia, não faz o menor sentido», observou Nelson Motta. «Sou contra, acho uma burrice», desabafou João Ubaldo Ribeiro.
«O Acordo Ortográfico de 1990 nasceu de um perigoso casamento: o do medo com a mentira», assinala Nuno Pacheco. O pavor de ver surgir uma «língua brasileira» conjugado com a alegação de que o português é a única língua com duas ortografias oficiais. Nada mais errado: o francês tem 15 variantes ortográficas reconhecidas, o espanhol tem 21, o árabe tem 16 e o inglês tem 18.
O desacordo desfigurou ruptura, que os brasileiros continuam a escrever desta forma, instituindo uma rutura a partir do nada. O vulgar interruptor tornou-se interrutor. Ótico (relativo ao aparelho ocular) perdeu o p (usado pelos brasileiros) e ficou igual a ótico (relativo ao aparelho auditivo). Apesar de a optometria ainda ser actividade profissional, tal como arquitectura, que recusa perder o c mandado retirar pela falange acordista. Palavras como recepção e concepção – que mantêm esta grafia no Brasil – passaram a escrever-se aqui receção e conceção – homófonas de recessão e concessão. O que já levou o Supremo Tribunal de Justiça a aludir a um putativo «aviso de recessão» e a Escola Superior de Gestão a pronunciar-se sobre «conceção de créditos». Dois exemplos entre muitas outras aberrações: ninguém se entende nesta balbúrdia.
O caos é tão flagrante que até a Presidência da República, em comunicados oficiais, escreve contato em vez de contacto, porventura convencida de que aquele segundo c que todos pronunciamos devia ser eliminado porque dá jeito sabe-se lá a quem. O que diria Marcelo Rebelo de Sousa, outrora militante anti-AO90, destes disparates hoje cometidos em seu nome?
Sugestão 7 de 2016:
O Bosque, de João Miguel Fernandes Jorge (Relógio d'Água)
Sugestão 7 de 2017:
1933 Foi um Mau Ano, de John Fante (Alfaguara)
Sugestão 7 de 2018:
O Visitante da Noite & Outros Contos, de B. Traven (Antígona)
Sugestão 7 de 2019:
Um Futuro de Fé, do Papa Francisco e Dominique Wolton