Dez livros para comprar na Feira
Livro seis: Fósforos e Metal Sobre Imitação de Ser Humano, de Filipa Leal
Edição Assírio & Alvim, 2019
70 páginas
Há quem a conheça enquanto excelente declamadora – ou recitadora – de poesia. Mas importa aqui realçar Filipa Leal como um dos mais talentosos nomes da poesia contemporânea em Portugal, de que este livro dá testemunho.
Fósforos e Metal Sobre Imitação de Ser Humano estabelece uma ponte entre formas clássicas, de onde a erudição não está ausente, e um coloquialismo que traz impressas marcas do quotidiano, sob este mote: «Não suja as mãos quem suja o poema.»
Estamos perante uma voz original, que transforma episódios pessoais e reminiscências familiares em matéria poética sem permanecer imune ao ruído da rua. São versos percorridos por uma suave ironia autodepreciativa onde se encontram ecos de um O’Neill. Versos que revelam sábia oficina sob a aparência de uma espontaneidade quase desconcertante.
«Alguns ficaram com as minhas partes / piores. Isto é como a divisão do frango / em família numerosa. Faltam coxas para todos. / Isto é como a aprendizagem da generosidade: / o peito ou o pescoço ou as asas. Lá em casa, / fazíamos de conta que preferíamos outra coisa / e dávamos as partes melhores aos irmãos.»
Este excerto do poema “A Divisão do Frango” constitui um bom exemplo, tal como os versos iniciais de “Separação Total de Bens”: «Devolveste-me: / as chaves de minha casa; / duas tragédias gregas / que eu tinha deixado na tua mesa de cabeceira.» Ou os versos finais de “Sobre as pessoas que não dão laranjas”: «Não sei distinguir as laranjeiras / quando estão sem laranjas. / O mesmo me acontece com alguns livros / e com algumas pessoas.»
Neste singular cruzamento de temas, há poesia-em-prosa quase política: «O Ceausescu é meu amigo no facebook». Ou quase satírica: «O importante é ter telemóvel, televisão por cabo e internet rápida para, se viveres longe da família, marcares o avião ou o comboio que te levará à casa onde te fazem arroz de polvo e bolo de iogurte.» Ou quase romântica: «Queria os teus olhos a fecharem-se comigo por dentro e tu por dentro de mim.»
Mas resistindo incólume às armadilhas do sentimentalismo e sem escorregar para artifícios retóricos. Em novo teste superado com distinção.
Sugestão 6 de 2016:
Axilas e Outras Histórias Indecorosas, de Rubem Fonseca (Sextante)
Sugestão 6 de 2017:
O Tesouro, de Selma Lagerlöf (Cavalo de Ferro)
Sugestão 6 de 2018:
Quem Disser o Contrário é Porque Tem Razão, de Mário de Carvalho (Porto Editora)
Sugestão 7 de 2019:
Como Ser um Conservador, de Roger Scruton (Guerra & Paz)