Dez livros para comprar na Feira
Livro quatro: Que Nós Estamos Aqui, de João Tordo
Edição Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2020
67 páginas
Fala-se pouco ou nada disto por cá. Dos Alcoólicos Anónimos (AA), movimento iniciado em 1935 nos EUA e hoje com implantação em 175 países. Um deles é Portugal.
João Tordo, romancista, surge aqui como repórter. Bem preparado, bem municiado dos testemunhos concretos de pessoas que largaram tudo para saciar o vício até à última gota. Neste caso não apenas o álcool: também drogas diversas, que as levaram aos Narcóticos Anónimos, similar à pioneira.
Com técnica de ficcionista adaptada à reportagem, Tordo alterna esta impressionante sucessão de depoimentos com a descrição do percurso nada linear do fundador dos AA, Bill Wilson, cujo nome – em estrito respeito à regra do anonimato ali vigente – só foi tornado público quando morreu, em Janeiro de 1971, com 75 anos.
Wilson concebeu um «percurso espiritual» em 12 passos para os alcoólicos em recuperação. Na certeza antecipada de se tratar de uma patologia crónica. Só rotulada assim pela Organização Mundial de Saúde a partir dos anos 60.
Eis o primeiro passo: «Admitimos que éramos impotentes perante o álcool – que as nossas vidas se tinham tornado ingovernáveis.» A partilha do problema com outros, em reuniões periódicas e muito discretas, tornou-se método terapêutico. Baseado no lema «viver um dia de cada vez». E reconhecendo o alcoolismo «como doença do corpo e do espírito, e não fracasso moral».
Milhões de alcoólicos (entre 8% e 12% da população mundial) passaram a ter a certeza de que alguém, algures, lhes daria acolhimento. “Desistir” tornou-se palavra proibida.
Portugal, nesta matéria, está longe do drama dos EUA, onde morrem cem mil pessoas por ano devido ao alcoolismo. Mas, entre nós, «a prevalência do consumo de qualquer bebida alcoólica [é] das mais elevadas a nível europeu – 88% ao longo da vida, 83% nos últimos 12 meses».
Em boa hora João Tordo lança o alerta. Sem confundir esclarecimento sereno com sermão. Esta obra confirma: um viciado em álcool ou drogas tem hoje a certeza de encontrar uma porta aberta – e alguém a esperar ali por ele. Na esperança sempre renovada de que o adicto de ontem possa estar amanhã a receber outros no limiar da mesma porta.
Sugestão 4 de 2016:
Páginas de Melancolia e Contentamento, de António Sousa Homem (Bertrand)
Sugestão 4 de 2017:
Os Filipes, de António Borges Coelho (Caminho)
Sugestão 4 de 2018:
Não Respire, de Pedro Rolo Duarte (Manuscrito)
Sugestão 4 de 2019:
Dois Países, um Sistema, de Rui Ramos e outros (D. Quixote)